WLADIMIR ANTONIO RIBEIRO
Tragédia de Mariana e o novo direito dos resíduos
A tragédia de Mariana a cada dia mostra novas consequências: desde a morte e o desaparecimento de várias pessoas, com a destruição de casas, até os enormes danos ambientais no Rio Doce e, agora, no litoral capixaba.
Do ponto de vista ambiental, esta tragédia se assemelha com a que ocorreu em 2006, no Rio dos Sinos, onde houve a mortandade de peixes e de outros seres vivos. O ponto em comum dos dois desastres é que os danos foram provocados pelo extravasamento de resíduos poluentes, depositados de forma insegura.
Estes eventos nos fazem refletir como é importante a gestão adequada de resíduos, sendo fundamental que a sociedade e as instituições brasileiras se apropriem das novidades da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos - Lei federal nº 12.305, de 2 de agosto de 2010.
Sobre isso queremos chamar aqui a atenção, a partir de aspecto central da lei, de separar a propriedade da responsabilidade ambiental, no sentido de que o ambientalmente responsável pelos resíduos não precisa ser, necessariamente, o proprietário dos resíduos.
As regras são simples: a primeira: "todo o proprietário de resíduos é ambientalmente responsável por eles". Logo, aquele que adquire a propriedade sobre resíduos, inclusive por meio de incorporação a bem imóvel (por exemplo, por aterramento ou mediante barragem), é responsável ambiental por tais resíduos.
A segunda regra é "o gerador de resíduos, mesmo que a propriedade tenha sido transferida, continua ambientalmente responsável, solidariamente com o atual proprietário dos resíduos". A única exceção a esta segunda regra é o gerador de resíduos sólidos urbanos, que transmite a responsabilidade e a propriedade sobre o resíduo se, no horário e na forma regulamentar, os deposita para serem coletados pelo serviço público municipal.
Observe-se que não é mais possível que o gerador se furte de suas responsabilidades, meramente transmitindo a propriedade dos resíduos a um terceiro (conhecido vulgarmente por "laranja").
Salvo o caso do resíduo domiciliar, já mencionado, o gerador continua responsável pelos resíduos. Se uma indústria entregou os resíduos a um terceiro, e houver extravasamento, como ocorreu no Rio dos Sinos ou em Mariana, a responsabilidade não é só do proprietário ou operador do aterro ou da barragem, mas das empresas que depositaram os seus resíduos naquele local.
Com isso, passa a ser fundamental que os resíduos sejam rastreáveis. Por causa disso, a autoridade ambiental deve monitorar os geradores e os transportadores, localizando onde tais geradores estão depositando os resíduos. Porque, caso a autoridade ambiental seja omissa, será impossível responsabilizar os geradores por eventuais danos ambientais.
Necessário, assim, se assegurar que haja efetiva atividade de vigilância sobre os geradores, e a sociedade e as suas instituições, em especial o Ministério Público, devem ser rigorosas neste aspecto. Sem que os resíduos sejam rastreáveis, a previsão legal de responsabilidade solidária dos geradores de resíduos restará letra morta.
Interessante ver que as pessoas se indignam frente às tragédias, mas, no geral, são condescendentes com a omissão das autoridades administrativas, como no caso da inexistência dos procedimentos previstos na lei - que são muitas vezes considerados como meras formalidades, vazias de sentido.
Porém, é o dia-a-dia dos relatórios, das vistorias, dos manifestos de transporte, da atividade de vigilância sistemática e contínua que evitará tragédias como as do rio dos Sinos e de Mariana. A importância do Direito Ambiental não está nas punições exemplares, quando os danos são irreversíveis, mas na prevenção de acidentes e na diminuição dos riscos a que as sociedades modernas estão cada vez mais sujeitas.
E que as tragédias do passado e do presente nos ensinem as evitar tragédias no futuro.
WLADIMIR ANTONIO RIBEIRO, advogado, é especialista em direito ambiental e do urbanismo e mestre em direito constitucional pela Universidade de Coimbra. É sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques - Sociedade de Advogados
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