Em defesa de Paulo Freire e do Brasil
Carlos Goldgrub - 29.out.1989/Folhapress | ||
Paulo Freire, então secretário municipal de Educação, durante evento em São Paulo, em 1989 |
Nos últimos meses, movimentos ultraconservadores se dedicam a retirar de Paulo Freire (1921-1997) o título de "Patrono da Educação Brasileira". Sem terem lido ou compreendido a obra do educador recifense, chegam ao absurdo de culpá-lo pela inaceitável situação educacional do país.
Questões históricas, como o subfinanciamento da educação básica, a desvalorização dos educadores (professores e todos os demais profissionais da educação), as salas de aula superlotadas, a precariedade das escolas públicas e a baixa densidade do debate pedagógico, nem sequer são consideradas.
Parece ser mais fácil culpar o mais reconhecido educador da história do país pela falta de prioridade dada à educação, esquecendo-se dos efeitos ainda presentes de chagas históricas, como a exploração colonial e a escravidão, origem das persistentes desigualdades socioeconômicas e civis que caracterizam a sociedade brasileira —ainda organizada para a manutenção de privilégios ao invés da consagração de direitos.
Paulo Freire foi um dos pensadores mais influentes do século 20, sendo considerado um dos educadores mais importantes da história. Concebeu uma pedagogia viva e democrática, em meio à tentativa de alfabetizar todas as brasileiras e todos os brasileiros.
Sua concepção pedagógica compreende a educação como apropriação da cultura, formulando uma relação de ensino-aprendizagem alicerçada na conscientização das cidadãs e dos cidadãos por meio do diálogo contínuo entre educador e educando.
O objetivo é garantir que todas e todos aprendam a ler o mundo e as palavras, ampliando os repertórios, desenvolvendo o senso crítico, a autonomia intelectual e a solidariedade.
É a força emancipatória da pedagogia de Paulo Freire que gera incômodo em seus algozes, lançando-os ao ataque.
Diante da grandeza de sua vida e obra, Paulo Freire foi laureado com 41 títulos de doutor honoris causa por universidades distribuídas por todo o mundo e foi intitulado professor emérito de cinco universidades, incluindo a Universidade de São Paulo (USP).
Também foi agraciado com títulos conferidos pela comunidade internacional, como o prêmio da Unesco de Educação para a Paz, em 1986. Secretário municipal de Educação entre 1989 e 1991, é ainda hoje considerado o melhor gestor educacional da história paulistana, sendo aclamado presidente de honra da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
"Pedagogia do Oprimido" (1968), considerada sua obra-prima, é a terceira mais citada em toda a literatura das ciências humanas, segundo pesquisa realizada por Elliott Green, professor associado à London School of Economics.
Diante de mais esse ataque ao bom senso, materializado na tentativa absurda de retirar o título de "Patrono da Educação Brasileira" de Paulo Freire, cidadãs e cidadãos organizaram o "Coletivo Paulo Freire por Uma Educação Democrática".
O manifesto fundador desse movimento já conta com centenas de assinaturas de educadoras e educadores, professores universitários, artistas e lideranças; bem como de entidades, grupos de pesquisa e movimentos sociais.
Defender o legado de Paulo Freire é mais um esforço em reconhecer o trabalho de um homem do povo, criador de um pensamento pedagógico único e radicalmente democrático —por isso, revolucionário.
Respeitar Paulo Freire é resguardar a história daquelas pessoas imprescindíveis que dedicam sua vida, dia após dia, à luta por um mundo livre, fraterno, igualitário, justo, próspero e sustentável.
O Brasil não pode permitir o desrespeito à memória e à sua produção intelectual. As brasileiras e os brasileiros não podem ceder ao obscurantismo.
ANA MARIA ARAÚJO FREIRE (Nita Freire) é escritora, educadora e viúva de Paulo Freire
LUIZ ERUNDINA DE SOUSA, é assistente social, deputada federal (PSOL-SP) e ex-prefeita de São Paulo (1989-1993)
DANIEL CARA é educador, cientista político e coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
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