O que puder dificultar
Jorge Araujo/Folhapress - Reprodução | ||
O prefeito de São Paulo, João Doria (esquerda), e o ex-assessor Lucas Tavares |
O Brasil coleciona inegáveis progressos na transparência da gestão pública. Desde o restabelecimento da democracia ampliam-se os meios de consulta a dados oficiais, num processo facilitado pelo advento da internet.
Até em razão das frequentes crises orçamentárias vividas pelo país, a melhora mais evidente se deu na publicação regular e padronizada de balanços de receitas e despesas governamentais, além de estatísticas referentes aos quadros de pessoal e suas remunerações.
Mas não só: sancionada em 2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI) está entre as mais modernas do mundo em seus propósitos. Regulamentou-se com ela o direito que qualquer cidadão tem de requerer números e esclarecimentos das administrações federal, estaduais e municipais —sem a necessidade de justificar o pedido.
É óbvio, entretanto, que tais avanços não acontecem de maneira uniforme, nem sem despertar resistências, por vezes obstinadas, na máquina do Estado.
Entre os exemplos corriqueiros estão os múltiplos empecilhos criados para a divulgação de salários do funcionalismo, em particular no Judiciário e no Legislativo —veja-se o caso recente da Câmara Municipal de São Paulo, que decidiu apagar os nomes dos servidores na lista de vencimentos que exibe em meio digital.
Chega agora ao conhecimento geral um flagrante revelador, quase didático, de como governos e a burocracia podem obstruir a prestação de contas à sociedade.
Gravação revelada pelo jornal "O Estado de S. Paulo" mostra um então assessor (já demitido) da equipe do prefeito João Doria (PSDB) falando a colegas de providências para atrapalhar o atendimento de pleitos apresentados por jornalistas com base na LAI.
"Dentro do que é formal e legal", diz Lucas Tavares, "eu vou votar para dificultar". Trechos do áudio mostram estratégias como a recusa em fornecer dados pela internet, de modo a retardar a apuração e, no limite, levar o profissional a desistir da reportagem.
Nem se pode chamar de surpreendente o conteúdo da conversa: o poder não raro vê como estorvo, ou mesmo ameaça, a publicidade ampla e tempestiva de informações —mesmo sobre aspectos comezinhos como buracos de rua ou queixas quanto à limpeza urbana.
No entanto é a transparência, mais que qualquer regulamento orçamentário, a ferramenta mais efetiva na busca por uma gestão mais responsável e eficiente de um aparato estatal que drena, com tributos, um terço da renda do país.
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