Desvendando os acordos de leniência
Luiz Carlos Murauskas - 18.mai.2015/Folhapress | ||
Folha promove debate sobre acordo de leniência e Lei Anticorrupção |
A Lei Anticorrupção (12.846/2013) disciplina os acordos de leniência de modo singelo no papel. Mas, talvez por simplificar exageradamente uma realidade complexa e multifacetada —pois uma mesma conduta pode ter consequências penais, civis, societárias, fiscais, concorrenciais e administrativas—, vinha encontrando dificuldades de produzir resultados satisfatórios.
Acordos de leniência são negócios jurídicos que vinculam seus subscritores e intervenientes. Não é possível falar, do ponto de vista prático, de acordos de leniência celebrados pelo Estado brasileiro, pois a Constituição não permite que uma única instituição isoladamente se pronuncie em substituição a todas as demais, especialmente quando o acordo deixou de contemplar todas as facetas da conduta ilícita.
Ninguém duvida de que o ideal é que os acordos produzam efeitos erga omnes (que valem para todos) e permitam que a empresa leniente "vire a página". Essa eficácia global pode e deve ser obtida mediante atuação conjunta e cooperativa dos órgãos legitimados, não com sobreposição ou usurpação.
O acordo há de observar a lei. O artigo 16, § 1º, inciso III, impõe como exigência que "a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo".
Por sua vez, o § 3º do mesmo artigo é peremptório: "o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado".
A lei impede que empresas escolham os crimes que desejam confessar e os desvios que desejam reparar. Tampouco permite que selecione os órgãos estatais que desejam colaborar.
Deve haver boa-fé e disposição para reparar integralmente o que foi desviado, sob pena de os acordos de leniência se transformarem em um enorme programa oficial de branqueamento de capitais do tipo "purgue parcialmente sua culpa e o dinheiro roubado passará a ser seu, de papel passado".
A confissão espontânea dos ilícitos praticados é requisito elementar, pois não se pode vislumbrar boa-fé em quem esconde do Estado informações relevantes. Ademais, a confissão serve para otimizar investigações e abreviar o processo, liberando o Estado da produção de provas e economizando recursos materiais e humanos.
O produto do crime deve ser integralmente devolvido. Sustentar o contrário significa infringir a lei. A leniência serve para atenuar sanções, criando incentivos à colaboração, jamais para anistiar empresas corruptas. A cláusula "ability to pay" deve ser utilizada para definir o parcelamento da indenização, não seu valor principal, que é inegociável. Isso não é capricho do TCU, mas exigência expressa da lei!
Cabem duas indagações cruciais para o desfecho dos acordos de leniência na Lava Jato: 1) o que fazer se a empresa se recusa a admitir ilícitos —como o superfaturamento— formalmente comprovados, em frontal desacordo com auditorias e perícias realizadas por órgãos oficiais como a CGU, o TCU e a Polícia Federal?; e 2) o que fazer se há recusa explícita de reparar integralmente o dano causado?
Recente leniência negociada pela CGU e fiscalizada pelo TCU procurou equacionar essas questões, prevendo que o acordo não resulta em quitação do dano. Constou expressamente que, se no futuro se perceber que a indenização paga se revelou insuficiente, a empresa tem o dever de complementação. Ademais, previu-se a obrigação de colaborar com todas as fiscalizações e auditorias oficiais.
BRUNO DANTAS, pós-doutor em direito (UERJ), é ministro do Tribunal de Contas da União
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