Jurista Sobral Pinto é tema de documentário
"Esse homem apareceu em juízo cheio de equimoses e ferimentos. Quem o deixou assim? Quem o torturou?
Não é possível que Vossa Excelência aceite uma confissão arrancada nessas condições como sendo prova."
A voz fraca, mas desafiante, do advogado Sobral Pinto (1893-1991) ecoa sozinha em um momento marcante do documentário "Sobral - O Homem que Não Tinha Preço", atração do Festival do Rio.
O espectador não vê a cena, mas consegue imaginá-la: o lendário jurista está no Superior Tribunal Militar, em 1976, durante a ditadura, defendendo um preso político.
O combate às arbitrariedades do regime militar (1964-1985) e do Estado Novo (1937-1945) marcam a trajetória de Sobral no longa dirigido por sua neta Paula Fiuza.
Luis Morier/CPDOC JB | ||
O advogado Sobra Pinto, cuja trajetória é tema do documentário "Sobral - O homem que não tinha preço" |
O filme mostra como ele se tornou "uma das pessoas mais importantes da história da República", na definição do jornalista Hélio Fernandes, um dos diversos presos políticos que defendeu, apesar de suas convicções ideológicas antagônicas.
Católico fervoroso e anticomunista convicto, Sobral Pinto colocava a defesa dos direitos humanos e da democracia acima das diferenças partidárias, o que o levou a atuar em favor de adversários políticos perseguidos, como Luiz Carlos Prestes.
O documentário, que concorre ao prêmio do festival em sua categoria, destaca momentos simbólicos da atuação do advogado, como a célebre petição em que invocou a Lei de Proteção aos Animais em favor do dirigente comunista Harry Berger, que estava preso e sendo torturado.
Aspectos pessoais também são destacados, como o desapego ao dinheiro --não cobrava de muitos clientes-- e a paixão pelo América-RJ.
O filme lembra ainda de momentos menos lisonjeiros, como a traição à sua mulher, com quem teve sete filhos. O próprio Sobral comenta o caso, tornado público por Lutero Vargas, filho de Getúlio, em meio à disputa política.
"Já casado, eu tive uma paixão que me levou a desviar-me do meu dever de esposo católico, razão pela qual me demiti da Procuradoria Criminal da República. Achei que não tinha mais o direito de acusar ninguém depois de ter tido essa atitude."
Carregaria essa culpa até o fim da vida --segundo uma das filhas, não se permitia lazer, como ir aos estádios ou ao cinema, como forma de autopunição pela traição.
Além desse episódio íntimo, seu apoio ao golpe de 1964 também é abordado.
"Eu apoiei porque tinha certeza de que os comunistas estavam dominando o governo. Como os militares, em vez de restaurar a Constituição, prosseguiram no caminho do desrespeito, eu passei a criticá-los", diz o protagonista.
Visando a posteridade, Sobral Pinto diz que gostaria de deixar a imagem "de uma pessoa tolerante, enérgica e intransigente com seus ideais", resumidos em um lema cristão: "Odiar o pecado e amar o pecador".
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