"Qualidade de vida só aumentou da porta para dentro", diz Fernando Haddad
Há 11 anos, Fernando Haddad, 49, trocou a vida acadêmica pela política. Foi em 2001, quando se tornou chefe de gabinete da Secretaria de Finanças da então prefeita Marta Suplicy (PT).
Quatro anos depois, foi nomeado ministro da Educação do governo Lula, pasta na qual enfrentou problemas como o vazamento do Enem.
Isadora Brant/Folhapress |
Fernando Haddad no largo São Francisco, em frente à Faculdade de Direito da USP, no centro, onde estudou |
Neste ano, o pré-candidato do PT se arrisca pela primeira vez a um cargo eletivo. Antes da largada oficial, já pulou dois obstáculos: não precisou competir com Marta pela candidatura do partido nem fazer aliança com o prefeito Gilberto Kassab (PSD) --o que ainda era cogitado em fevereiro, quando ele concedeu esta entrevista.
Antes de migrar para a política, Haddad ajudou o pai a tocar uma loja de tecidos na região da rua 25 de Março, estudou economia, filosofia e direito na USP --na São Francisco, presidiu o Centro Acadêmico XI de Agosto. Foi consultor da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), professor universitário e dono de uma construtora.
Casado e pai de dois filhos, mora hoje no Paraíso, na zona sul.
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Como foi ser criança em São Paulo?
Nasci na Vila Mariana, mas me mudei aos seis anos para o Planalto Paulista [zona sul]. Ficava muito na rua. Era um bairro novo e um terço dos terrenos eram baldios, então a gente montava campinhos. Quando adolescente, falei para o meu pai: 'Se você pagar o ensino médio, só vou prestar [vestibular] em universidades públicas'. Fiz o ensino médio no Bandeirantes e ingressei na São Francisco em 1981.
O que mais o agrada na cidade?
A vida cultural e a noturna, o que inclui sair para jantar, ouvir boa música. Adoro a variedade de comidas, do restaurante japonês ao árabe. Curto muito sair para comer e não abro mão do meu cheese-salada do Joakin's [Itaim Bibi].
E o que mais o irrita?
O trânsito. A questão de deslocamento está difícil, para dizer o mínimo.
Qual serviço público o sr. utiliza?
O metrô. Moro ao lado da estação Paraíso. Usei muito e ainda uso.
Se ganhar, vai recorrer ao helicóptero para escapar do trânsito?
Não vejo necessidade. Voos eu fazia até na Secretaria de Finanças, mas episodicamente, não para deslocamento.
Conhece algum projeto de outra cidade que pode ser adotado aqui?
Difícil adaptar soluções de outras cidades porque há pouquíssimos casos que se assemelham a São Paulo. No caso do metrô, Seul, Madri e Cidade do México têm muito a ensinar. No caso dos corredores de ônibus, o TransMilenio [de Bogotá] é citado como um modelo de possível adaptação, um projeto que estava indo bem em São Paulo e estancou. Poderíamos estar com 300 km de corredores, mas temos pouco mais de 100 km.
Derrubaria o Minhocão?
Não. Intervenções, porém, são essenciais. Esse é um equipamento que precisa ser qualificado. Fica em uma região que era belíssima, mas não vejo a derrubada como solução em curto prazo.
A cracolândia tem solução?
Acredito nisso, obviamente. Tem de haver um compromisso de combate ao tráfico. Aquele núcleo agora se espalhou em microcomunidades e ali havia inclusive crianças. Tem solução, sim, principalmente sob a perceptiva de tratamento humanitário dos usuários.
Quem foi o melhor prefeito de SP?
A Marta fez uma administração notável e poderíamos resgatar várias ideias dela, como a descentralização, transformando bairros em cidades, com serviços públicos e atividade econômica. Isso também é pensar na mobilidade sob outra perspectiva que não a do transporte, mas de o serviço estar à mão.
E o pior?
É desagradável mencionar quem não está aqui para se defender, mas o período pós-Celso Pitta [morto em 2009] foi difícil. Não vou esquecer de quando assumimos a Secretaria de Finanças: a situação era de penúria material e atroz falta de projeto, perspectiva e planejamento.
Como avalia a gestão Kassab?
Só funcionou onde houve parceria [com outras esferas de governo], como em projetos nas favelas de Paraisópolis e Heliópolis. Tem-se a ideia de que se pode colocar interesses partidários acima de interesses republicanos. No Rio, tem parceira entre prefeito, governador e União. Isso não pode depender de alinhamento político-partidário.
Leis como a do Psiu podem tirar a vocação boêmia da cidade?
Tem de haver bom senso. Ocupamos pouco a cidade, iluminamos pouco, teríamos uma avenida de desenvolvimento se o poder público atuasse nessa direção, com todos os cuidados para garantir o repouso do trabalhador. Parques não ficam iluminados à noite. Uma cidade ocupada é uma cidade mais segura.
O que está faltando em São Paulo?
A qualidade de vida da porta para dentro melhorou, mas não se reflete da porta para fora. As pessoas não percebem esse salto de qualidade na organização da cidade. E a vantagem é sair, usufruir do contato com as pessoas, ter acesso à cultura. Essa perspectiva de vida comunitária efervescente está prejudicada.
Tem medo de São Paulo passar vergonha na Copa?
De jeito nenhum. Estamos preparados.
Se eleito, qual será sua marca?
A parceria federativa em torno de mobilidade, transporte, saúde e educação.
O que não vai faltar no gabinete?
Gente de todos os cantos. Meu gabinete em Brasília era aberto, esse também é um espaço que precisa ser ocupado.