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Serafina

Ministra Ana de Hollanda resiste ao cai-cai no governo

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Meados dos anos 1980. Ela estaciona o Fusca bege em frente ao colégio particular onde os filhos estudam em São Paulo. "Eles morriam de vergonha do meu fusquinha caindo aos pedaços no meio daqueles carrões e motoristas", recorda-se hoje a mãe de Sérgio, 39, e Ruth, 37.

Janeiro de 2011. O carro oficial –um Renault Mégane preto– espera no aeroporto de Brasília para levar a futura ministra da Cultura ao hotel. Ana de Hollanda se acomoda no banco da frente, para espanto do motorista: "Olha, ministra, normalmente a senhora tem que sentar atrás".

Aquela mãe riponga de três décadas atrás precisou de um tempo para se habituar à liturgia do cargo.

Aos 63 anos, a avó de Theo, 11, Ana, 5, e Bernardo, 9 meses, viu o "o tempo rodar num instante", como na "Roda-Viva" cantada pelo irmão Chico Buarque, quando recebeu o convite de Dilma Rousseff para compor o primeiro escalão.

Cia. de Foto
Retrato da ministra da Cultura Ana Hollanda em Brasí­lia
Retrato da ministra da Cultura Ana Hollanda em Brasília

A sexta dos sete filhos do historiador Sérgio Buarque de Holanda, membro fundador do PT, instalou-se no Planalto Central sob fogo cruzado. "Os ataques, por mais violentos e pessoais que tentassem ser, não eram a mim, mas ao cargo", diz.

Para sobreviver à aridez do cerrado, um umidificador de ar fica ligado no gabinete. Chama a atenção também um vidro de pílulas. "Tome uma", oferece. Dentro da cápsula, desenrola-se um poema de Cora Coralina. Trouxe o mimo de viagem oficial a Goiás Velho (GO).

Delicadezas estranhas ao jogo pesado da política. A voz mansa, o corpo delgado e um sorriso perene levaram um crítico a qualificá-la de autista. "Quem me conhece sabe que a minha aparência é frágil, mas eu não sou", diz a leonina com ascendente em leão. "Não tenho conserto", brinca, sobre a combinação astral.

"Ela é guerreira", diz a filha Ruth. E avisa: "As mulheres da nossa família são muito mais fortes, que me desculpem os homens".

A começar pela matriarca, Maria Amélia, que morreu pouco depois de completar cem anos. Foi na festa do centenário de dona Memélia, em 28 fevereiro de 2010, que Ana e Dilma se conheceram. A então ministra foi levada à casa de Chico Buarque por Lula.

LIVRE DO CÂNCER

Assim como a chefe, que enfrentou um câncer linfático, Ana de Hollanda ganhou a batalha contra um tumor no pulmão diagnosticado aos 43 anos. "Quando apareceu, era do tamanho de um ovo. Não se podia operar."

Fez quimio e radioterapia. "O tratamento forte me maltratou muito. Eu tinha uma aparência mais jovem. Fiquei acabada."

A luta contra o câncer deixou a vaidade em segundo plano. Ela nunca fez plástica, nem cogita fazer. "Minhas ruguinhas estão todas aqui." Diz temer mais a perda de memória. "Meu pânico do envelhecimento é a decadência intelectual."

Com a queda dos cabelos pós-quimio, despediu-se da longa cabeleira que enfeita a capa dos primeiros discos da cantora Ana de Hollanda. Demorou a se assumir como tal, numa família pródiga em artistas. Já brilhavam, com maior ou menor intensidade, as irmãs Miúcha e Cristina e a sobrinha Bebel Gilberto.

E ainda tinha a sombra de Chico. "Evitava cantar. Compor foi ainda pior", admite. "A comparação permanente tirou a minha liberdade de poder errar, de não ser genial e de ser uma cantora como outra qualquer."

Todos os irmãos são "de Holanda", enquanto Ana é "de Hollanda", com duas letras "L". A mudança, por gosto, partiu da própria Ana, que, aliás, foi registrada Anna.

Com a genialidade paterna, a convivência foi mais leve. Menina ainda, Ana se divertia em altos papos com o pai, no escritório do autor de "Raízes do Brasil", quando a família morava na casa da rua Buri, no Pacaembu, em São Paulo.

Acordava mais cedo para ler os jornais e ter o que falar nos rotineiros encontros.

CONGO E COBRAS

Aos dez anos, encarava temas áridos, como as lutas pela independência nos países africanos. "Ninguém entendia as minhas conversas com papai, que passavam por Congo Belga, cobras e histórias do 'Livro das Mil e Uma Noites'."

Ana só foi entender a fixação paterna por serpentes anos depois, quando leu "Visão do Paraíso", uma das obras maiores de Buarque de Holanda. "Ele fala sobre as fantasias que corriam na Europa sobre as cobras brasileiras. Estudava isso e passava tudo pra mim."

Dona Memélia estranhava. "Isso lá é assunto para falar com uma criança de sete anos?!" A mãe mantinha as rédeas da família. "Papai era o deseducador, minha mãe punha ordem na casa. Ele era pura emoção. Ela, mais rigorosa."

Já os filhos da ministra levam consigo uma educação que fugiu dos padrões. "Minha mãe nos fez ver desde cedo que 'tailleur' e carros chiques não eram o mais importante", diz Ruth, assistente social do projeto Pracatu, ONG de Carlinhos Brown, em Salvador.

O fusquinha virou folclore. Ruth se diverte ao lembrar de caronas dadas no carro de piso esburacado. Coleguinhas de famílias endinheiradas andavam no carro cheio de adesivo do Partido Comunista. "Pelos buracos, dava para ver o chão. Andávamos com pés para cima."

A filha de Ana de Hollanda também teve uma passagem por Brasília, mas no governo do PSDB. Trabalhou com Ruth Cardoso, no programa Comunidade Solidária, na gestão Fernando Henrique Cardoso. "Tenho uma paixão incondicional por ela e respeito FHC," diz Ruth.

Já sua filha, que se chama Ana em homenagem à avó, é apaixonada por Dilma. Na parada de 7 de setembro, a pequena foi a Brasília ver a presidente. Depois, a família Holanda curtir um fim de semana na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. "Tomamos banho de 
cachoeira, fizemos trilha, voltei toda lascada", relata a ministra, que anda sem tempo para namorar nem compor. Ficaram em São Jorge, reduto de alternativos e de esotéricos.

Um momento de relax após sobreviver às sucessivas faxinas na Esplanada dos Ministérios. Para a netinha, Ana de Hollanda está podendo. Recentemente, quando o tio Sérgio implicou com ela, Ana não teve dúvida: "Vou ligar para a ministra da Cultura".

*

Qual é a voz da ministra?
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Em recente jantar da presidente Dilma Rousseff com diretoras, grandes atrizes de cinema e uma ou outra jornalista no Palácio da Alvorada, Ana de Hollanda estava visivelmente desconfortável.

Enquanto Dilma circulava entre as mesas e os grupinhos, ora rindo simpaticamente com Tizuka Yamasaki, ora com Glória Pires, ora com Patrícia Pilar, entre outras ilustres de sua área, a ministra pouco falou, nada sorriu. Era festa em que ela era a natural co-anfitriã, mas parecia um peixe fora d'água.

Quando assumiu o Ministério da Cultura, no primeiro dia do governo Dilma, Ana de Hollanda foi recebida com uma grande interrogação: quem é ela?

Hoje, nove meses depois, essa perguntinha ardida continua pairando sobre Brasília, inclusive sobre o Congresso e até mesmo em muitos outros ministérios. Ela era e continua sendo uma incógnita.

Sabe-se que a ministra é irmã do Chico Buarque, gênio da MPB e velho "lulista" que praticamente liderou o apoio da classe artística a Dilma na campanha eleitoral de 2010. Mas não se sabia e não se sabe sobre a sua carreira de cantora e de compositora.

Também, pudera. Ana de Hollanda fez carreira na burocracia estatal, especialmente na Funarte, onde sua personalidade introvertida pôde deslizar tranquilamente. Como ministra, já não pode –ou não deveria– mais. Para uns, ela é "excessivamente tímida". Para outros, "mal-humorada" e "incomunicável".

Sua gestão, neste primeiro ano, tem sido marcada por uma crise atrás da outra, espremida entre grupos de pressão. Já recebeu críticas em manifestos, entrevistas e internet. Ainda não mostrou a que veio.

Curiosamente, porém, Ana de Hollanda se mantém firme e forte, enquanto os ministros vão caindo em ritmo frenético. Já se foram cinco, desde o todo-poderoso Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, até o inexpressivo Pedro Novais, do Turismo.

A explicação para a sobrevida pode estar menos na competência da ministra e mais no fato de a Cultura estar na periferia da Esplanada dos Ministérios.

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