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Serafina

De John Kennedy à Bossa Nova, conheça o acervo do fotógrafo David Zingg

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Tom Jobim desafinou. A história está até numa enciclopédia: num bar de Ipanema, o compositor advertiu um americano branquelo que cogitava mudar para o país: "David, o Brasil não é para principiantes".

Zingg, o David em questão, poderia ser quase qualquer coisa, menos principiante.

Ex-piloto de bombardeios B-17 na Segunda Guerra Mundial, ex-plantador de bananas em Honduras, amigo do presidente John Fitzgerald Kennedy, Ph.D em dry martinis, o jovem astro do jornalismo americano David Drew Zingg (1923-2000) estava pronto para tudo. Ipanema chamou e ele veio correndo.

Zingg não foi mais o mesmo, mas nosso país tampouco.

Quando num bar em Cochabamba ou num trem no Sri Lanka tocarem "The Girl from Ipanema", haverá algo de David Zingg no ar, como se esclarecerá adiante. Antes, as fotografias, que é delas que tratamos aqui.

Não foi amor à primeira vista, o de Dave com as câmeras. Nascido em Nova Jersey, ele estudou história e literatura na Universidade Columbia, em Nova York, e foi editor e repórter em revistas americanas de grande prestígio em seu tempo, como a "Life" e a "Look".

Não estava mal no ofício: num dia entrevistava o pintor catalão Joan Miró (1893-1983), noutro viajava com o mestre do jazz Duke Ellington (1899-1974). Mas eis que teve algum tipo de estalo. "Descobri que não era o grande poeta americano, não tinha talento para escrever o romance definitivo da minha geração", disse em entrevista, em 1985.

Investiu US$ 125 numa Nikon e virou fotógrafo.

RIO EM GRANDE ESTILO

Em 1959, veio pela primeira vez ao Rio de Janeiro. Chegou a bordo de um veleiro chamado Ondine, quando cobria a corrida oceânica Buenos Aires-Rio para a revista americana "Sports Illustrated". Era Carnaval e David se hospedou no Copacabana Palace. Comparava essa sua viagem à de Pedro Álvares Cabral.

Diferentemente do navegador português, não deixou mais de descobrir o Brasil. Deixou a mulher e os três filhos em Nova York e mudou-se de vez.

Não é exagero afirmar, como o fez um de seus grandes amigos, o jornalista e editor Matinas Suzuki Jr., que Zingg foi decisivo na mudança da fotografia nas revistas e na publicidade brasileira nos anos 1960. "Ajudou a criar, na imprensa local, os conceitos de 'ensaio fotográfico', cujo momento culminante foi a revista 'Realidade', e de 'portrait'", escreveu ele na Folha, quando Zingg morreu, em julho de 2000.

David Zingg
Fotografia de Leila Diniz, de 1971, para a revista 'Realidade'
Leila Diniz grávida e nua em 1971; a atriz foi fotografada para a revista 'Realidade' pelas lentes do americano David Zingg

Exemplo do peso histórico de sua arte está no livro "Fotografia em Revista", que a editora Abril lançou em 2010, com uma seleção de mais de 350 fotografias que marcaram os 60 anos iniciais da editora. Uma das seis fotos escolhidas para a capa é de Zingg.

Idealizador do projeto e membro do conselho editorial da Abril, Thomaz Souto Corrêa enxerga com clareza as qualidades do fotógrafo, de quem foi amigo. "David tinha o olhar descomplicado", opina. "E foi o caso mais rápido de assimilação de um estrangeiro que já vi. Virou carioca em semanas. E sua fotografia conseguia alcançar um colorido muito brasileiro, raro de se ver."

Além dos trabalhos antológicos para revistas como "Manchete", sua primeira empregadora no país, e depois para "Quatro Rodas", "Pop" e, sobretudo, "Realidade" (de Leila Diniz grávida e nua a Juscelino Kubitschek de meias, com os pés sobre a mesa), Zingg prestou importantes serviços à iconografia musical.

Fez os melhores retratos de Pixinguinha, Dorival Caymmi e João Gilberto que se possa imaginar, além de ter assinado capas de discos de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso (esses três, mais Nara Leão, Toquinho, Paulinho da Viola e companhia, foram clicados juntos para uma capa da "Realidade", de novembro de 1966, onde se usou pela primeira vez o termo MPB).

MUSA MARAVILHA

Zingg também se aventurou pelo cinema brasileiro. Fez a fotografia de "Memórias de Helena" (1974), de David Neves (1938-1994). E atuou em pelo menos duas produções nacionais dos anos 1960: em "O Bravo Guerreiro", de Gustavo Dahl (1938-2011), fez um senador; em "Garota de Ipanema", de Leon Hirszman (1937-1987), representou um fotógrafo.

Inquieto e andarilho, quase não calçava sapatos e foi personagem marcante também na turma da moda. Uma de suas grandes amigas era a então manequim Elke Maravilha, de quem fez retratos dignos do codinome dela. "David enxergava a alma da gente", relembra Elke, que posou caracterizada como Marilyn Monroe e Josephine Baker. "Ele tinha um humor divino. Ficávamos dias em Búzios enchendo a cara e rindo juntos."

O publicitário Washington Olivetto também diz que teve grandes experiências etílicas com Mr. Zingg, a quem reputa uma espécie de "pós-graduação em vida". "Ele me mostrou bares como o Monkey, em Nova York e me fez conhecer figuras incríveis, como o designer da Globo Hans Donner e Oscar Ornstein, o relações-públicas do Copacabana Palace."

David Zingg
Elke Maravilha - David Zingg
Elke Maravilha em 1970; acervo de David Zingg produzido no Brasil está sendo obtido pelo Instituto Moreira Salles

Depois de muitas peripécias cariocas, como criar com o executivo André Midani, nascido na Síria, e o coreógrafo nova-iorquino Lennie Dale (1934-1994) um partido político só para estrangeiros residentes no Brasil, resolveu migrar para o sul. Em 1978, trouxe seus chapéus-panamá e gravatas-borboletas para São Paulo.

Na capital paulistana, foi cantor da banda de punk-rock-humor Joelho de Porco. Punks também foram suas experiências de fotógrafo de cenas de crimes na periferia paulistana, para o extinto jornal "Notícias Populares", nos anos 1980.

Nos últimos anos de sua vida, o camaleão Zingg se expressou com a escrita. De 1987 a 2000, autodenominando-se Tio Dave, assinou crônicas elegantes em diferentes suplementos da Folha. Nelas, antecipava aos "Joãozinhos", como tratava seus leitores, a importância que teriam grandes acontecimentos mundiais, como a internet, o ex-presidente Bill Clinton ou até Gisele Bündchen.

Também registrava histórias pessoais, como suas aventuras com as "Jennifers", codinome que dava às suas jovens namoradas-amigas-pupilas.

Mas não contou na imprensa nem um quinto de suas grandes histórias, como a prometida lá no começo deste texto.

Numa noite de setembro de 1962, Zingg e o editor Robert Wool comemoravam no bar P.J. Clarke's, em Nova York, a conclusão de uma matéria sobre música brasileira quando, embalados por um "dilúvio" de uísque, como registra Ruy Castro em "Ela É Carioca" (Companhia das Letras), tiveram uma ideia genial.

Por que não fretar um avião e trazer os magníficos músicos de bossa nova para um show no Carnegie Hall, em Nova York? Depois da bebedeira, Zingg levou a centelha para a consulesa e poeta brasileira Dora Vasconcellos (1910-1973).

Ela arregaçou as mangas e, em 21 de novembro de 1962, no lugar sonhado por ele, Tom Jobim, João Gilberto e companhia apresentaram a bossa ao mundo. Foi assim que o doce balanço a caminho do mar invadiu primeiro os EUA, depois o resto do mundo. Portanto, quando estiver no mercado em Tegucigalpa ou no metrô em Ulan Bator e topar com a coisa mais linda que já viu passar, lembre-se do Tio Dave.

DE CASA NOVA

O Instituto Moreira Salles (IMS) fechou um acordo com os herdeiros de David Drew Zingg (ao lado, em autorretrato dos anos 1980) para receber seu acervo fotográfico produzido no Brasil. As fotos serão submetidas aos processos de higienização e climatização, e um inventário será realizado.

A expectativa do IMS é organizar, já para o ano que vem, uma primeira exposição e uma publicação sobre o fotógrafo.

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