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Serafina

Aos 93, lenda do design brasileiro desenha cadeira "para fazer amor"

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O arquiteto Jorge Zalszupin, um dos nomes mais importantes do design brasileiro, completou 93 anos no dia 1o de junho. E não lhe faltam histórias para contar. Confortavelmente acomodado numa cadeira de balanço da Ikea, uma espécie de versão europeia da Tok&Stok, ele fala sem parar, lembrando as andanças que o trouxeram ao Brasil nos anos 1950, depois de escapar da perseguição aos judeus na Polônia, onde nasceu, e a sua trajetória como designer, marcada por criações que venceram o tempo.

João Kehl e Rafael Jacinto
O arquiteto polonês Jorge Zalszupin, radicado no Brasil, um dos grandes designers de móveis do país
O arquiteto polonês Jorge Zalszupin, radicado no Brasil, um dos grandes designers de móveis do país

Zalszupin, que fundou em 1959 a L'Atelier, uma das marcas mais celebradas do design moderno no Brasil, assiste hoje a um revival do seu trabalho. Em 2006, a empresária paulistana Etel Carmona, dona da loja Etel, começou a reeditar os clássicos da L'Atelier. Já são mais de 40 peças no acervo. No começo do ano, outras seis reedições se juntaram à coleção. Os móveis saem da fábrica com numeração de série e certificado de autenticidade, cuidado essencial para coibir falsificações. "Eu costumava ficava furioso com falsificadores", diz o designer. "Hoje, penso na frase atribuída a Coco Chanel: 'Só se imita coisa boa'."

Peças originais criadas por ele também podem ser garimpadas em antiquários por pequenas fortunas. Uma mesinha de centro da L'Atelier chegou a ser arrematada na galeria Bolsa de Arte, por R$ 45 mil. Os móveis vintage são, porém, escassos. A melhor opção para quem quer um Zalszupin legítimo em casa é recorrer às reedições.

"Os móveis do Jorge são atemporais e primam pela elegância. Ele sempre foi versátil, indo da madeira ao ferro, passando pelo plástico", diz Etel. "Nos últimos dez anos, desde que começamos a reeditar os móveis da L'Atelier, houve um aumento expressivo da procura pelas peças dele. E a demanda só cresce."

Bem humorado e cheio de planos, apesar da dificuldade de locomoção decorrente de dores nas articulações, Zalszupin vive na casa que ele próprio construiu há mais de cinco décadas, no Jardim Paulistano, zona oeste de São Paulo.

Com cerca de 500 metros quadrados, a construção é cercada por jardins e plantas que -literalmente- sobem pelas paredes. Obras de arte, peças de porcelana e objetos coletados em viagens pelo mundo espalham-se pelos ambientes. Aqui e acolá, móveis da L'Atelier, como o carrinho de chá e a poltrona dinamarquesa, lembram quem é o dono da casa.

QUIPROQUÓ

Suas criações fizeram história. Até no judiciário brasileiro Zalszupin marcou presença. São de sua autoria as poltronas de couro amarelo onde se sentam os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, e que ficaram famosas por aparecer na TV e nas capas dos jornais durante o julgamento do mensalão.

Já a versão em couro preto foi, por um período, a cadeira oficial do prefeito de São Paulo e protagonizou um quiproquó famoso da política brasileira na década de 1980. Foi nessa cadeira que Fernando Henrique Cardoso posou como prefeito para uma foto quando era apenas candidato. Detalhe: ele não foi eleito.

Vencedor daquele pleito, em 1985, Jânio Quadros não perdoou a gafe. Ao tomar posse, fez uma limpeza na peça, na frente de repórteres e fotógrafos, e declarou: "Estou desinfetando esta poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Zalszupin conta que passou anos sonhando em fazer outro móvel tão importante como aquela cadeira: "Ela abriu tantas portas na minha carreira. Tentei de diversas formas projetar outras como ela, mas nunca saía um resultado que me agradasse".

Na arquitetura, também se fez presente. Construiu prédios na avenida Paulista, é autor do projeto do shopping Morumbi e idealizou muitas casas para a classe alta paulistana -a maioria delas demolida para dar lugar a espigões. "Entendo que economicamente é preciso fazer isso, derrubar o pequeno para fazer o grande. Mas, para mim, a destruição de uma casa que projetei para uma família é como uma facada na barriga."

A demolição de velhos projetos não o impede de idealizar novos. Cuidado de perto pela filha Verônica e pela mulher, Annette, 86, com quem está há 64 anos, ele tem no quarto uma bancada para desenhar. Como suas mãos estão trêmulas, limita-se a rabiscar ideias.

Uma delas é "uma cadeira para os casais fazerem amor". Já deu até nome ao móvel: trepadeira. Zalszupin não descreve a peça, só diz que será confortável, para abrigar os apaixonados. "Mas ninguém se interessou ainda e eu também não insisti."

CHIQUITA BACANA

Aos 16 anos, Jorge fugiu da Polônia, depois de sua mãe ter sido levada para um campo de concentração nazista, de onde não voltou mais. Instalou-se na Romênia e estudou arquitetura no país. Após se formar, decidiu se mudar de novo. Dessa vez o destino seria o Brasil. Corria o ano de 1949 quando, então sob a alcunha de Jerzy Zalszupin (lê-se Gerzi Jauchupin), aos 27 anos, desembarcou no Rio de Janeiro, em pleno Carnaval carioca.

"Não que fosse um hábito meu, mas eu trouxe móveis na bagagem e uma moto Peugeot 250", diz. "Sonhava e fantasiava com esse novo mundo na cidade maravilhosa."

Na autobiografia "De * pra Lua" (2014), ele conta que o desembarque se deu no cais do porto, ao som de "Chiquita Bacana", a marchinha que animava a então capital federal naquele ano. Irreverente, a começar pelo título, o livro narra a cadência de "milagres" na vida desse judeu polonês. "Minha vida foi cheia deles", atesta o designer.

Logo que chegou, arrumou um emprego em São Paulo com um conterrâneo seu, o arquiteto Luciano Korngold. No prédio do escritório, o destino deu mais uma mãozinha. Conheceu Annette, com quem teve duas filhas, Verônica, 61, e Marina, 58.

Por conta do nascimento da primogênita, acelerou a papelada da cidadania brasileira e seu registro de arquiteto. Mudou, aí, a assinatura para Jorge Zalszupin e abriu o próprio escritório. Nunca lhe faltou trabalho. Os pedidos de projetos de casas pululavam. E os clientes passaram a lhe pedir que fizesse também os móveis. Com a demanda aumentando, Jorge deu início, então, em 1959, dez anos após o desembarque, à aventura da L'Atelier.

Em 1970, ele vendeu a empresa para o grupo Forsa e se tornou responsável apenas pela área criativa. Nessa fase, flertou com as resinas acrílicas, deixando milhares de donas de casa ávidas por suas louças de plástico coloridas. Nascia a charmosa linha Eva para a marca Hevea.

O diplomata e crítico de arte André Aranha Corrêa do Lago lembra bem essa época no prefácio do livro "Jorge Zalszupin - Design Moderno no Brasil" (2014). "Um item dessa coleção foi o primeiro objeto de design brasileiro que comprei na vida".

Mas Zalszupin também lidou com o ostracismo. "Em 2000, fui entrevistá-lo em sua casa. Ele se sentia esquecido e descrente do design e da atividade de arquiteto. Produzia como artista plástico e me pediu contatos em galerias", conta Ethel Leon, 63, professora e pesquisadora de história do design brasileiro, que o colocou em contato com Etel Carmona, dando início a um novo ciclo de sua vida.

Hoje em dia, passa a maior parte de seu tempo na sala de televisão, sentado na poltrona Poäng, da Ikea. Estofada em couro preto, a cadeira tem estrutura de ripas coladas e curvadas em faia, que lhe dão flexibilidade e um leve balanço. Zalszupin parece adorar o efeito. Com o impulso do corpo, mantém o embalo constante.

A cadeira é parte de sua história de idas e vindas, altos e baixos. Foi comprada em Paris, no início dos anos 90, quando ele decidiu largar tudo e se aposentar na França. O retiro durou até 1999, quando voltou a São Paulo para recomeçar a carreira. "Redecorar uma nova casa me fez feliz, como se me casasse de novo."

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