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Keith Richards diz que não é roqueiro louco, mas adora as piadas da internet

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Keith Richards abre os braços e contorce o rosto, aquele rosto com os famosos sulcos na pele. Faz uma expressão inegável de quem não entendeu o que acaba de ouvir. Ele está em sua suíte num hotel de inúmeras estrelas em Paris, a duas quadras do Arco do Triunfo. Ali recebe alguns poucos jornalistas para conversas individuais sobre "Crosseyed Heart", seu terceiro disco solo recém-lançado.

De volta à expressão do guitarrista, ele não entendeu o que pretende o repórter da Serafina. No lugar de fazer a primeira pergunta da entrevista, o jornalista diz que produziu o primeiro disco solo de Keith Richards anos antes do lançamento de "Talk Is Cheap", o primeiro álbum individual do guitarrista dos Rolling Stones, que chegou às lojas em 1988.

O repórter explica. No início dos anos 1980, pegou uma fita cassete —"Eu amo fitas cassete. Meu formato favorito, do tamanho de um maço de cigarros", interrompe o entrevistado—, e nela gravou todas as músicas em que Richards fazia o vocal principal nos álbuns dos Stones lançados até então. Na capa da fita, a inscrição "Keith Richards Solo Album".

A gargalhada sai solta. Richards começa a conter o riso, enquanto acende o primeiro dos quatro Marlboro vermelhos que fumaria nos 25 minutos seguintes. E dispara: "Essa fita deve ser ótima naquelas noites em que você não consegue dormir. Essas músicas derrubam qualquer insônia."

O repórter fica feliz. O gelo parece quebrado. Antes de a entrevista começar, era claro o nervosismo de encarar frente a frente seu maior ídolo no rock —idolatria cultivada há 43 anos, desde a compra do álbum dos Stones "Aftermath"—, e essa expectativa só piorou depois que outros jornalistas deixaram suas sessões com Richards comentando que ele estava monossilábico, nada simpático.

A descontração do guitarrista fica evidente na pergunta seguinte, a respeito de repetir, 23 anos depois de seu segundo disco solo, "Main Offender" (1992), os mesmos colaboradores no estúdio.

Em destaque, o produtor e baterista Steve Jordan, parceiro constante de Richards fora dos Stones.

"Gravar um disco é, antes de qualquer coisa, ficar trancado numa sala com outras pessoas. Um lugar bem pequeno! Eu preciso ter intimidade com elas, ou então não aguento ficar ali olhando para suas caras", diz. Ele considera "uma bênção" ter encontrado Jordan há muitos anos. "Ele é o único cara com quem eu escrevo canções além de Mick. Fazer música é algo que pode acontecer das maneiras mais bizarras, não tem regra para isso, nenhuma fórmula mágica. Ter um parceiro é uma coisa bem especial."

VEJA O TEASER DE "KEITH RICHARDS: UNDER THE INFLUENCE"

Veja o teaser de "Keith Richards: Under the Influence", ainda inédito, produzido pela Netflix

A presença de músicos jovens não seria estimulante? "Não estou mais na idade de conhecer gente nova nesse meu negócio", afirma sorrindo o inglês, que completará 72 anos em dezembro. "E os garotos realmente poderiam ficar intimidados comigo, seria natural."

Ele sentiu essa intimidação nas primeiras vezes em que tocou com seus grandes ídolos, como Chuck Berry, B.B. King ou Muddy Waters? Richards pensa alguns segundos antes de responder. "Sim, claro, mas há um lado curioso comigo e esses caras. Quando pude tocar ao lado desses monstros, eu já era mais famoso do que eles, o que é um absurdo!".

O Stone se empolga nesse trecho da conversa e continua falando. "É surpreendente o que aconteceu comigo nesses anos, eu não deveria estar aqui nesse momento conversando com você. Nunca achei que seria famoso, que teria uma banda como os Stones. Quando eu era adolescente, meu sonho era ser o segundo guitarrista da banda de Chuck Berry. Isso bastaria. Seria meu paraíso, meu nirvana."

As músicas de "Crosseyd Heart" são atemporais. Ali tem rock, blues, baladas, um pouco de reggae, até country. Um disco que poderia ter sido lançado hoje, em 1965 ou talvez daqui a 20 anos.

Richards sorri e aceita a observação sobre a atemporalidade das canções como um elogio. "Você vê a coisa como eu vejo. Olha, eu não falo nas minhas músicas sobre Facebook, Twitter, sobre o que a moda manda você vestir, essas coisas. Eu canto sobre o que passa pelo meu coração, sobre coisas que aconteceram e ficaram na memória. Ninguém deve esperar nada moderno vindo de mim."

Será que o homem símbolo do rock and roll não quer experimentar uma batida diferente, algo eletrônico? "Eu odeio música eletrônica! Odeio tudo de música eletrônica! O mundo digital está deixando as pessoas burras, em todas as áreas, mas principalmente na música!"

Richards faz uma pausa, apagando o segundo cigarro. Depois sorri. "Tudo bem, deve ter gente fazendo algo decente com computadores, mas não é para mim. Sabe, quando escuto uma gravação com guitarras e bateria, eu presto atenção e consigo ver o que estava acontecendo no estúdio na hora da sessão. Faço essa viagem. Com o eletrônico, isso é impossível. Na hora, tudo que estava lá era um sujeito apertando botões, bi, bi, bi, bi, bi..."

Editoria de arte/Revista Serafina
#ARSER2709 PAGINA 40 arte keith richards kr

"Crosseyed Heart" traz faixas demolidoras. Algumas superiores às gravações dos Stones nos últimos 20 ou 30 anos. Duas têm feições de clássicos instantâneos, como o rock "Trouble" e a balada rasga-coração "Illusion", que ele canta com Norah Jones -"Maravilhosa! Gosto de cantar com mulheres".

Depois de 53 anos de carreira, ele sabe quando fez uma grande canção no instante que finaliza a gravação. "Sim, sempre! Por isso que eu só lanço música boa. Se não for, jogo fora ali mesmo, no estúdio", diz.
Richards voltará ao Brasil no ano que vem. Os Rolling Stones farão dois shows em São Paulo no final de fevereiro, no Allianz Parque, estádio do Palmeiras. Faltam poucos detalhes para que a venda de ingressos seja iniciada -e provavelmente concluída no mesmo dia.

Em "Before They Make Me Run", composição sua que ele canta no álbum dos Stones "Some Girls" (1978), a letra diz que é melhor sair andando antes que façam você correr. Ou seja, melhor a retirada de cena quando ainda se está por cima, antes da decadência.

A pergunta é se ele pensa da mesma forma sobre os Stones ou sua carreira sozinho. Se bem que ninguém vai querer fazer Keith Richards sair correndo, claro.

"Você que pensa", interrompe o guitarrista. "A polícia! Ela pode me fazer correr. Já fez isso antes e pode fazer de novo", brinca, em nova sessão de gargalhadas.

Em seguida, falando sério sobre sua "aposentadoria", diz que isso não passa por sua cabeça. "Não preciso pensar sobre isso. Só quero continuar enquanto puder tocar bem no palco, fazer bons discos. Quando não der mais, paro e pronto, sem festa de despedida, nada disso."

No encerramento da entrevista, aproveitando o clima descontraído, vem a pergunta sobre as piadas que circulam na internet. Elas nascem da ideia de que o consumo intenso de drogas teria convertido Richards em um "Highlander".

Que mundo vamos deixar para Keith Richards?

Depois do apocalipse nuclear, só ele e as baratas sobreviveriam. Quando ele colhe material para exames de sangue, o laboratório leva dias para achar sangue na amostra. Seus filhos e netos não disputarão sua herança, porque vão morrer todos antes dele. A brincadeira mais recente é uma falsa campanha de preservação ambiental com o lema: "Que mundo vamos deixar para Keith Richards?".

Ele afirma se divertir com todas. "São inteligentes e representam o carinho das pessoas comigo. Todos criaram uma figura que não sou eu, é um roqueiro drogado e louco, um personagem de quadrinhos. Eu sinto que carrego essa imagem comigo, sem poder me desvencilhar dela. Como aqueles presidiários de desenho animado com a bola de ferro acorrentada à perna, sabe? Sou eu e minha imagem pública, não me liberto dela."
"Mas eu não gostaria de ser o rei num planeta de baratas!", diz, enquanto acende o quarto cigarro.

Na despedida, o repórter diz que Keith Richards é mesmo alguém especial. "Não, sou um cara comum", responde o ídolo. "Um ótimo guitarrista, mas um cara comum."

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