Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
Publicidade

Serafina

Entre galã e palhaço, João Vicente de Castro milita e 'apanha' de feministas

Mais opções
  • Enviar por e-mail
  • Copiar url curta
  • Imprimir
  • Comunicar erros
  • Maior | Menor
  • RSS

1

A pele de João Vicente de Castro está rubra. Uma noite depois de beijar a boca do ator Bruno Gagliasso durante a apresentação de uma premiação em que os dois eram mestres de cerimônia, o cômico de 32 anos chega vermelho para a sessão de fotos da Serafina. Corou, mas não foi de vergonha por seus atos: tinha aproveitado a manhã livre para pegar uma piscininha no Copacabana Palace, local do evento do dia anterior, e foi vítima de um mormaço insidioso.

"Ah, vai, foda-se. Fiz para repercutir mesmo, para nego pensar", diz um dos criadores do Porta dos Fundos, maior canal brasileiro no YouTube, com mais de 11 milhões de seguidores.

Antes do beijo cênico, tinha pedido para encerrar o prêmio com um discurso sobre o contexto político do país. A organização do evento preferiu que não. Brincou então que beijaria Gagliasso. No palco, os dois se olharam e pintou um clima de levar adiante o que nasceu como piada. Mas as reações podiam pender mais para o trágico do que para o cômico: "Agora já era, perdi toda a publicidade", brinca ele, que é o rosto da C&A.

"Faço boxe todos os dias e não sei como o pessoal de lá vai reagir", diz, quando é interrompido por um telefonema.

Uma repórter liga para repercutir a frase do sertanejo César Menotti -"Não sou machista, não sou hipócrita, não sou preconceituoso e não beijo outro homem na boca. Mesmo assim, continuo sendo homem com H". João diz ao telefone: "Menotti? Não faço ideia de quem seja, então não tenho nada a dizer. Um beijo".

Minutos antes, havia citado o cantor de cor e lamentado que ele, possivelmente vítima de preconceitos ("Deve sofrer de gordofobia e do preconceito de acharem a arte dele rasa") se posicionasse desse jeito. "Como eu não sou gay e ainda assim não compartilho do que eles pensam, acho que incomoda mais."

Gilda Midani, stylist de Maria Bethânia, chega em meio à conversa: "Deu um beijo na boca de quem?". Do Bruno Gagliasso. "Por quê?". Para lutar com doçura contra o preconceito. "Ah, que bom", diz a morena, 55 anos, que veste branco naquela sexta, e calha de ser mãe de João.

Gilda carrega com ela uma casquinha de siri que pediu para uma assistente comprar ali perto ("A melhor do Rio!"). O filho dá duas garfadas e fica com os olhos tão vermelhos quanto a espalda. "É sério, você não tem noção do que tá isso aqui de apimentado", diz, tentando se afogar numa garrafa d'água. Gilda às vezes é intensa demais.

Como na vez em que passou um sabão ideológico no filho, quando ele tinha 11 anos e chamou um amigo da família de viado: "Sabe o tio que você adora? Gay. Aquele outro? Bi. A amiga da mamãe que você acha bonita? Lésbica. Na minha casa não vai ter esse preconceito." Ele diz que foi ali que tomou consciência da dor que assolava a pele alheia.

Nunca mais tiveram de discutir preconceito em casa.

*

2

A pele de João Vicente de Castro passa o recado: 2398450. Os sete dígitos formavam o telefone da casa em que morava com o pai, e foram tatuados no braço direito. Tarso de Castro (1941-1991) foi um dos fundadores do semanário alternativo "O Pasquim", homem das artes e amigo de meio Rio de Janeiro.

Moravam só os dois, enquanto Gilda começava um segundo casamento, e dormiam na mesma cama. "Talvez até por isso eu não tenha medo de afeto com homem." Ou, como diria o humorista Luis Lobianco, um dos seus melhores amigos: "Amizade com ele é uma intimidade indecente. Tem ciúme, tem toque. Só não tem sexo".

O pai de João morreu de beber quando ele tinha oito anos. Como a mãe acabara de ter outra filha, achou-se por bem que ele fosse morar com o padrinho, um tal Caetano Veloso. "Não sou grudado nele, mas ele me acolheu como um filho na época. Foi uma coisa muito generosa."

Dentro da casa de Caetano ele diz que aprendeu sobre como um artista pode se posicionar politicamente. O músico usou um sarongue para ir a um prêmio e um jornalista escreveu que ele esfregava sua homossexualidade na cara do mundo ao vestir uma saia. "Daí o Caetano procurou o sujeito e disse: 'Se quer criticar homossexuais, pelo menos faça com propriedade. É um sarongue, não uma saia.'" João acredita que ali nasceu seu interesse por lutar pelos direitos humanos.

Integra um grupo de estudos políticos. "Não tenho a menor vontade de trabalhar com política propriamente dita." Em vez do viés prático, pretende usar seu poder de influência para chamar atenção para causas como a igualdade de gêneros. Também para entender por que a esquerda se pulveriza. "Frente a uma ameaça real, cada um vai para um lado", diz o eleitor de Jean Wyllys e Marcelo Freixo, ambos do PSOL.

O momento político exige reflexão, defende. "Eu não votaria no PT hoje. Não acho que a Dilma está fazendo um bom governo. Mas, se você for ver no Brasil profundo, as pessoas que nem água tinham hoje têm, alguma coisa aconteceu."

*

3

A pele de João Vicente de Castro tem espaço de sobra para ser a pele de outras pessoas. "Eu apanho de feminista por tentar ser feminista, eu apanho de Só de feminista. As mais duras dizem que não posso roubar o protagonismo, que essa é uma briga só das mulheres. É não! É uma briga histórica!", diz ele.

João é o mais jovem e com ideias mais progressistas do "Papo de Segunda", mesa quadrada no GNT formada por ele, Marcelo Tas, Leo Jaime e Xico Sá.

O "sobrinho", como é chamado pelos pares, muitas vezes ouve que defende mulheres porque conviveu com algumas das mais belas do país. Ex-Sabrina Sato, ex-Cleo Pires, possível ex-Gabriela Pugliesi (impossível: a blogueira fitness é "só uma amiga", garante). A pecha é tal que uma fã não hesitou em fazer a proposta à queima-roupa numa rede social: "Oi, quer seu meu ex?".

"Eu acho muito triste esse interesse, de saber se estou namorando ou pegando alguém. Já fui muito revoltado, destratei repórter que me perguntou como andava meu coração. Mas, numa conversa assim, não me incomodo que pergunte." Então, João Vicente, você está namorando? "Não, não estou."

Ele talvez não se importasse se Eva tivesse chegado primeiro ao mundo e, a partir de sua costela, o primeiro homem surgisse. Até porque seu projeto mais vistoso, o Porta dos Fundos, poderia não ter nascido não fosse por uma mulher. Ele mudou o eixo de sua vida para o Rio de Janeiro, após anos morando em São Paulo, para se casar.

Na época, aparecia em revistas e sites como "o marido de Cleo Pires" -até hoje, o maior número de menções ao seu nome no Google é "ex de Sabrina Sato". "Me incomodava quando eu era só isso. Mas só porque eu não estava confortável com o mundo de alguma forma."

Um amigo o indicou para trabalhar com Luciano Huck. Contratado após uma ligação, lá foi o então publicitário para um país chamado Projac. "Era divertido. Acho que nenhum dos quadros que eu bolei foi ao ar, mas fiz coisas das quais me orgulho, como ter salvo a vida de dois elefantes que estavam abandonados."

Foi na Globo que conheceu Ian SBF, do canal on-line Anões em Chamas, e Antonio Tabet, do blog Kibe Loco. Combinaram de formar um grupo para gravar esquetes nonsense, como um em que Jesus Cristo é demitido da carpintaria. Convidaram ainda Gregorio Duvivier e Fábio Porchat para serem sócios.

"O que mais me falaram foi para não lançar nada. Diziam que estava ruim, que estava péssimo." Fez dezenas de reuniões, com amigos, empresas e canais. Só ouviu "não". "Brasileiro gosta muito de coisa que já deu certo, e pouco de coisa que ainda vai dar." Mas sem ressentimentos.

Ele e Ian pediram as contas na Globo. Foram os únicos sócios a largar seus empregos para se dedicar exclusivamente à nova empreitada. João tinha três meses de reserva financeira para queimar. Depois disso, teria de ser sustentado pela mulher. Estaria tudo bem? "Tudo bem. Quer dizer, não estaria OK, porque ninguém deveria ser sustentando num casal, e não é uma coisa machista de eu não querer ser sustentado por mulher." O primeiro vídeo chegou a um milhão de visualizações em menos de uma semana. E o resto é história.

Se na época ele perigava virar um dono de casa com tempo livre de sobra, hoje é mais fácil conseguir encaixe na agenda de presidentes de pequenos países do que na de João Vicente. Foram 30 dias de tratativa até conseguir um encontro com o homem, que trabalha 12 horas por dia, sete dias por semana.

Para seguir existindo, o Porta instituiu ao menos um encontro semanal, incancelável -mas às vezes cancelado por um ou outro. "Falhas são pontuadas, mas perdoadas."

"Contrato Vitalício", o primeiro longa-metragem do grupo, começou a ser filmado em 4 de janeiro, mesmo dia em que ele chegava ao Brasil de uma turnê de 25 dias na Europa com "Portátil", espetáculo de humor improvisado com alguns membros do Porta, que estreia em São Paulo em 5/3. "Tivemos cinco dias de férias, entre Natal e Réveillon, mas foi ótimo." Ele voltou de viagem com 100 kg, oito a mais do que o habitual.

*

4

A pele de João Vicente de Castro se renovou rapidamente. Cinco dias após a queimadura por mormaço, foi ao shopping JK, em São Paulo, para gravar um comercial de roupas. "Assim que dei a primeira suada, a pele ficou cheia de bolhas e começou a soltar." O mesmo aconteceu com a polêmica do beijo, que caiu morta uma semana depois, e parece não ter custado anunciantes. Bom para ele: com mais alguns anúncios, espera realizar o sonho da casa própria neste ano.

Quando o Porta ainda era durango, uma empresa "gigante" ofereceu uma grana para falarem mal de um concorrente. Outra firma de porte quis pagar para nunca mais falarem no seu nome ou produtos. "Não fizemos. Seria tipo o cara que fala que a Dilma é uma escrota e para em lugar proibido, sabe?"

O policiamento constante, para ele, é combustível para criar um humor melhor, e não mordaça. "Acho o politicamente correto maravilhoso. Acho o patrulhamento bom. Se você sacaneia um homossexual, você tem que apanhar -verbalmente, óbvio." Até mesmo quando os golpes vêm em sua direção.

As principais críticas ao Porta dos Fundos se dividem em duas acusações:

1) Plágio. O esquete "Suspeito", em que um cidadão procura um policial para fazer o retrato falado de um assaltante e, conforme descreve características do meliante, passa a manifestá-las também, é idêntico a um texto do desenho "O Incrível Mundo de Gumball", exibido pelo Cartoon Network.

"Acontece muito. Já escrevi esquetes inteiros que depois fui ver e eram iguais a programas gringos", diz. "Vi num programa de TV aberta dois esquetes iguais aos do Porta, mas não vou falar nada. Pode ter sido inconsciente." Textos parecidos com algo que já existe são uma constante contra a qual o grupo luta, diz.

2) Questões de gênero. O vídeo "Traveco da Firma", um dos primeiros do grupo, mostra funcionários da mesma empresa se prostituindo com indumentárias femininas depois do expediente para complementar a renda.

Ofendeu transexuais e travestis por estereotipá-los como profissionais do sexo. Duvivier, autor do texto, disse estar arrependido. "A gente erra mesmo. Tem vídeo que acho machista. Tem vídeo que acho homofóbico. Tem vídeo que eu acho transfóbico. Admitimos e abaixamos a cabeça quando erramos, pedimos desculpas e seguimos em frente", diz João.

Ele então volta a posar para as fotos vestido de mulher -ouvindo o mesmo rap que dá tom à aula de boxe.

Mais opções
  • Enviar por e-mail
  • Copiar url curta
  • Imprimir
  • Comunicar erros
  • Maior | Menor
  • RSS

Livraria da Folha

Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Envie sua notícia

Siga a folha

Livraria da Folha

Publicidade
Publicidade
Voltar ao topo da página