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Serafina

Colunista enfrenta jantar inglês regado a preconceitos e xenofobia

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Jantar na casa do contador inglesão que se casou com a melhor amiga de infância da cunhada. A conversa sobre como as crianças hoje estão cada vez mais viciadas em internet está muito chata.

Não é o assunto em si que é insuportável, mas a banalidade das opiniões ao redor da mesa. Já é a terceira vez que, quando a anfitriã abre a boca, eu consigo adivinhar exatamente o que ela vai dizer. Digo a mim mesmo: 'Pare agora de ser o misantropo arrogante de sempre e faça de conta que é uma boa pessoa'.

Surge uma oportunidade: um dos convidados elogia o vinho lusitano e aproveito a deixa para emendar aquela piada de português que costuma agradar. Na mosca. Minha mulher me acode, gargalhando mesmo depois de ter ouvido a piada mil vezes. O pessoal cai na risada.

Caco Neves
Ilustração de Caco Neves para coluna Zooropa de Goldman.

Sim, explico para os convidados, agora seduzidos pelo meu charme: "Para nós, brasileiros, os portugueses equivalem, no universo piadístico, ao que os irlandeses são para os ingleses e os belgas para os franceses".
Não, não conheço ninguém no Brasil que contraiu o vírus da zika. Sim, já li boatos na internet de que não vai ter Olimpíada no Rio, mas não pode ser verdade. Nossa... O padrinho de casamento da sobrinha da advogada suíça sentada do meu lado foi assaltado em Copacabana em 2007. Todo mundo já se esqueceu do 7 a 1 contra a Alemanha. Sim, depois de anos em ascendência, a economia brasileira agora está em crise.

Ai! Se tivesse calado a boca em vez de contar piadinha idiota, não teria que ficar declamando chavões.

Mas, de repente, do outro lado da mesa, o anfitrião chama a minha atenção. Ele diz palavras que me irritam mas, ao mesmo tempo, deleitam, afinal, sei que o jantar vai ficar mais interessante -e, provavelmente, mais curto.

Ele diz "muçulmanos" e "neste país" com um tom de superioridade e menosprezo. Logo percebo que caímos em outro inevitável clichê cada vez mais onipresente em jantares da direita europeia: falar mal de árabes e de imigrantes.

Os outros convidados concordam e logo evocam os atentados em Paris, os assédios sexuais em Colônia e a certeza absoluta de que, num futuro muito próximo, na Europa viveremos oprimidos sob as leis da sharia.
Lembro aos comensais que, em Londres, 15% da população é islamita. Quase um milhão de pessoas. Pergunto se alguém da mesa já foi importunado por muçulmanos querendo convertê-los ou impondo seus valores. Como ninguém foi, a resposta é um "isso não vem ao caso".

Agora quero ir embora de verdade e a vontade de voltar logo para casa para assistir ao último episódio de "Better Call Saul" fica insuportável.

Digo "boa noite" e saio pensando. Muito mais do que refugiados e islamitas, esta Europa paranoica e racista deveria temer os robôs. Eles sim, num futuro muito próximo e palpável, vão tirar empregos, mudar as regras do jogo e desgovernar nosso mundo.

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