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Serafina

'Curitibanos não gostam de incomodar os outros', diz ator Guilherme Weber

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O olhar fixo, azul, as mãos quase sempre guardadas. O ator Guilherme Weber havia escolhido o restaurante Frevinho, nos Jardins, para falar à Serafina. À mesa, fui me dando conta: a voz encorpada, nítida, dá cor à forma econômica com que ele se expressa gestualmente, inclusive em cena. Assim foi em "A Vida É Cheia de Som e Fúria" (2001), "Avenida Dropsie" (2005) e outras peças da extinta Sutil Cia. de Teatro.

Nascido em Curitiba em 1975, Weber reconhece em si traços da cultura de sua cidade sem cair no clichê da palavra "fria". Se o curitibano é "muito preocupado em não incomodar os outros", ele vai mais adiante, e diz ter se descoberto "um pouco antissocial".

"Quando estou viajando, aflora mais esse traço, no táxi, no avião. Não gosto de viajar sozinho, mas chega uma hora em que prefiro me isolar." A avaliação, porém, não o impediu de falar ternamente dos amigos, do teatro e dos bares, da adolescência cercada de cinema e literatura e do Festival de Teatro de Curitiba, cuja curadoria assumiu neste ano ao lado do diretor Marcio Abreu.

A palavra "antissocial" contrasta com o tipo que, logo depois, ele revela. Consultado, o diretor e amigo Felipe Hirsch afere que "isso é mentira dele". Weber, segundo Hirsch, é "muito espirituoso e com ampla capacidade de sociabilizar".

"Não sei por que ele falou uma coisa dessa, soa estranho demais. Sou mais antissocial até. Quando preciso de uma tábua de salvação do tipo, é a ele que recorro", conta Hirsch. O que teria levado Weber, não a mentir, mas a perceber-se dessa forma, então? Hirsch vasculha a memória e chega à morte, no ano passado, da mãe do ator, "uma humanista", sobre quem Weber falou demoradamente, mas sem, em nenhum momento, expor o luto.

O ator diz ainda que carrega no seu círculo "quase todos" os amigos de infância, mesmo os que se distanciaram geograficamente, e guarda, em uma caixa de lata, objetos pessoais de família, como o chapéu de um avô, um americano que imigrou para o Paraná para construir ferrovias. Recorda-se de teatros, dos bares e dos clubes noturnos que frequentou.

Seu novo filme, "Deserto", com Lima Duarte no elenco, previsto para o segundo semestre, recorre às paisagens do sertão da Paraíba, aonde chega uma trupe de velhos atores. Pouco a ver com a cor enevoada de Curitiba e o cenário urbano que formou Weber, senão pelo olhar melancólico de autores conterrâneos.

um rapaz latino e americano

Dalton Trevisan, Paulo Leminski e muito rock estão na base do repertório de Weber. "Cresci em uma mistura de cultura brasileira sem bandeiras –e também sem medo de receber a cultura anglo-saxônica", diz.

A América do dramaturgo contemporâneo Will Eno encontra o estilo do ator também em um interesse sobre a solidão. Em "Os Realistas", peça do americano encenada por ele e que estreia no dia 2/4 em São Paulo, Debora Bloch, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Mariana Lima interpretam personagens em situações prosaicas de enfrentamento com a morte, com o som de instrumentos de corda ao fundo.

A peça dá prosseguimento à veia onírica da Sutil, companhia que fundou ao lado de Felipe Hirsch, nos anos 1990, sob influência de bandas da cidade e das guitarras de Smiths e The Cure.

"Eram coisas que a gente escutava nos porões de Curitiba", conta. Os dois se conheceram no colégio e ingressaram na vida teatral na adolescência, Weber no palco, Hirsch na direção.

O cenário underground que frequentaram não se preservou, lamenta o ator. Quando, há cerca de dez anos, voltou ao Club James, reduto eletrônico da capital do Paraná, decepcionou-se com um lugar menos sujo. "O segurança da casa veio falar que não podia colocar o pé no sofá. Achei absurdo e respondi: 'Amigo, por favor, eu vomitava neste sofá, querido, eu apagava meu cigarro neste sofá, não vou poder pôr meu pé aqui agora?" Ele então teatraliza um gesto de revolta.

É neste ponto da conversa que surge a expressão mais indiscreta de Weber com as mãos. Ele explica o nome da banda punk curitibana Beijo AA Força, que venerou. "É um instrumento de tortura dos campos de concentração."

O ator mimetiza a maneira de usar o objeto metálico, como se fosse ele próprio a vítima, o maxilar forçadamente empurrado para baixo, a língua retorcida pelo torturador.

Passada a sessão –acho que ninguém ao redor notou– as mãos voltam a se fixar no colo. Os beirutes chegam e o papo prossegue, agora sobre a infância.

santos e astros

Quando era criança, Weber gostava de trocar orações com a avó e desenvolveu fixação pela imagem de santos católicos. "Eu era super-religioso, sabia a vida dos santos mais sofredores, tipo Santa Ágata, que teve os seios extirpados." Hoje, é viciado em cartomantes.

A vontade de ser ator foi desenvolvida quando substituiu essa fixação por outra. Aos oito ou nove anos ("não sou bom de datas"), ele viu sua mãe mexer em um álbum de fotos e perguntou o que era aquilo. Viu atores em representações "muito arquetípicas": Randolph Scott e o chapéu de caubói. Betty Davis, fumando. Judy Garland, meio mendiga.

"Eram símbolos, mais do que fotos. Meu pai entrou na onda e me deu uma coleção de revistas de cinema que colecionava desde garoto. Havia matérias do tipo 'Conheça a Casa de Marlene Dietrich'.

Com aquele baú aberto, Weber começou a frequentar cineclubes da cidade. "...E o Vento Levou" tornou-se seu filme favorito. "E o teatro veio para me salvar da decepção que foi descobrir que era impossível ser um daqueles atores", diz.

Na televisão, ele também teve destaque em novelas da Globo, interpretou o vilão Tony Peixoto de Almeida, em "Da Cor do Pecado" (2004), um tipo sociopata. A capacidade de fixar o olhar em um ponto ajudava bastante na caracterização.

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