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Serafina

Karol Conka diz que é possível ser boa mãe, rapper e sexy ao mesmo tempo

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O telefone de Karol Conka tocou em 17 de agosto, uma quarta-feira. Quem estava do outro lado da linha era uma pessoa que ela conhecia há anos, mas que só recentemente resolveu ser sua amiga. A gerente do banco. "Ela me viu na Olimpíada e percebeu que eu era artista."

Não foi só a responsável pelas finanças da cantora de 30 anos que prestou atenção em uma voz, coberta por tranças enormes de cabelo postiço cor de rosa, no centro da cerimônia de abertura dos Jogos, no Maracanã. "Depois da Olimpíada, muita gente ficou curiosa para saber quem era essa menina cantando sobre empoderamento", diz Conka (leia "conká"), cujas letras falam coisas como "Gorda, preta, loira o que tiver que ser. Magra, santa, doida, somos a força e o poder".

A apresentação, para uma audiência televisiva de 28 milhões de brasileiros, segundo o Ibope, sagrou o bom momento da rapper: a curitibana foi abraçada por grandes marcas e acumulou milhões de seguidores na internet, que freudianamente a chamam de Mamacita.

Gisele Bündchen afirmou que desfilar por 128 metros do gramado coberto do Maracanã foi o maior frio na barriga de sua vida profissional. "Muita gente espera que eu diga que fiquei nervosa", diz Karol, "Mas eu vou mentir se disser isso. Fiquei extremamente OK, com muito pé no chão." Ou pés para o alto: ela tirou uma soneca de quatro horas e meia no seu camarim no estádio, antes de se apresentar.

A emoção veio depois. "Aí eu chorei e deu frio na barriga. Não tanto por estar no Maracanã, mas por ter subido no palco com a MC Soffia [sua afilhada artística, de 12 anos] e cantado algo que eu escrevi. Minha mãe me viu, viu pessoas que não estão na TV todo dia."

No mesmo dia em que recebeu a ligação da gerente do banco sendo intimíssima, Karol Conka se mudaria de vez para São Paulo. Sairia do segundo apartamento que alugava neste ano pelo Airbnb no bairro paulistano de Pinheiros e iria para um ali do lado, com um contrato de aluguel de "gente grande".

É num estúdio paulistano que prepara seu segundo álbum, prometido para agosto, mas atrasado por motivo de paixão.

"Tô vivendo um romance, mas não tô namorando. Amor consolidado, só por mim mesma", diz ela, que se classifica como "não é boa para relacionamentos".

"Eu não aceito ficar boba de amor. Acho que me sinto fraca. Prefiro focar no meu trabalho, ofuscar o lado romance. Se eu me entregar, posso virar a Amy Winehouse, dizer foda-se todo mundo, eu quero viver por essa pessoa."

O disco novo, inclusive, vai ter uma música de amor, algo que ela se considerava incapaz de fazer até semanas atrás.

Daniel Klajmic
A rapper Karol Conka em ensaio para a Serafina
A rapper Karol Conka em ensaio para a Serafina

TETA NA MESA

Karol também anda trabalhando para grandes marcas, o que pensava ser impossível. Criou raps para comerciais da Caixa e da Avon. Uma marca de refrigerante comissionou uma música. Pediram que ela mudasse a letra, considerada pesada demais. "Falei: 'Chama a Sandy'." Perdeu o contrato.

Foi a demanda popular que criou a oferta, ela acredita. "Se as marcas não fizerem isso, o público da internet vai cobrar: Cadê 'as gay', cadê os pretos?"

Por mais que tenha ganhado alguma popularidade e encampado outros estilos musicais, ela ainda se refere a si mesma como uma "mina do rap". "Prefiro falar 'botar a teta na mesa' do que 'botar o pau na mesa'." E ela teve de botar a teta na mesa desde muito jovem.

O pai morreu quando ela tinha 14 anos e Karol foi criada por uma mãe cujo único pendão para as artes era escrever poemas. Pois era um poema que ela pensava ter escrito num festival cultural do colégio particular, aos 15 anos.

Mas, quando subiu no palco, o que fez foi rap. Foi nessa altura que Karoline dos Santos de Oliveira cunhou um sobrenome artístico para deixar claro que seu Karol era escrito com a décima primeira letra do alfabeto latino. Ela só parou para pensar em rap quando ouviu o som dos Racionais MC's saindo do alto-falante de um carro, na rua.

Hoje são eles que falam diretamente com ela. "Karol Conká é talentosa, tem muita musicalidade. Ela é alto astral", diz KL Jay, DJ dos Racionais. Ela concorda: diz ter se dado conta da sua missão na vida quando estava no fundo de uma depressão, aos 19 anos.

"O meu objetivo é mostrar a fórmula da felicidade. Você não precisa ser triste. Tudo dá certo." A auto-ajuda rimada ganhou eco na internet. Em 2011, enquanto gravava faixas caseiras, mandou uma música para a MTV, que a disponibilizou em seu site. Dias depois, recebeu um telefonema do canal musical. "Grava um clipe que em cinco dias você entra no [prêmio] VMB." Entrou como indicada na categoria aposta. Dois anos depois, levaria o troféu de artista revelação no Prêmio Multishow, desbancando Anitta e Clarice Falcão.

SÓ TENDO ORGASMOS

Em 2014, lançou "Batuk Freak", seu primeiro (e por ora único) álbum, que misturava rimas com elementos de percussão de candomblé e uma pegada mais dançante. Em uma semana, foi baixado centenas de milhares de vezes.

As cifras só cresceram desde então. O videoclipe da música "Tombei", por exemplo, acumulou em um ano 5 milhões de visualizações. É notável para uma artista independente. Ou quase independente: em vez de entrar para uma gravadora (dispensou três delas), ela assinou um contrato com a Ambev. Ganha um salário mensal de cinco dígitos para colocar seus vídeos no site da cerveja Skol e ser representante da firma. "Uma marca não vai conseguir vender o que quer sem um artista. Uma mão lava a outra e as duas contam a grana."

Mas a fama online cobra seu preço.

Daniel Klajmic
A rapper Karol Conka em ensaio para a Serafina
A rapper Karol Conka em ensaio para a Serafina

"Eu nasci na internet, mas é esse o público que me frita. Se num dia eu não publico vídeo, fotinho, as pessoas ficam preocupadas. Gente, eu tava só tendo orgasmos, no mundo real. Acho isso um saco, parece que vivo numa gaiola."

Karol tenta preservar um naco de intimidade. Como os detalhes do novo disco, que só será batizado depois de pronto. E da vida com Jorge, seu filho de dez anos, que já tinha nome quando ainda estava na barriga de uma Karol com 19 anos. Mamacita é mãe e evitou por muito tempo o assunto. "Eles iam botar na matéria: Mãe, solteira e rapper."

Até os cinco anos de idade do filho, ela fazia as músicas em casa e apresentava só para Jorge, na sala. Foi quando ouviu da avó paterna do garoto que poderia ir atrás do seu sonho, sem por isso ser uma má mãe, que passou a fazer música profissionalmente. "A sociedade ensina que tem um padrão de mãe. Mas eu posso muito bem ser uma mãe bem-sucedida, dar amor pro meu filho, dormir fazendo agrado nas costas dele, ir pra festa, beber. Pego boy, 'vassouro' mesmo, tenho meus romances. Posso postar uma foto sexy sendo mãe."

Enquanto Karol viaja, o filho fica em Curitiba, entre a casa das avós e com o pai, que Karol chama de seu melhor amigo. "Eu gosto de tomar bebida, eu fumo maconha e eu sou mãe. Meu filho nem sabe que eu transo por aí, mas sabe que eu fumo maconha. Não ia mentir para ele. Ensinei que maconheiro é visto como delinquente ou como uma pessoa legal, mas só se tiver uma renda."

Tanta resolução foi construída com o tempo. "Quando uma mulher está no palco com pouca roupa, tem duas opções: ou ela é puta ou ela é muito foda." Ela optou pelo segundo caminho. Diz que relaxou em definitivo quando soube que Elis Regina tinha conseguido ser Elis Regina com uma prole de três.

AMOR CONTAMINA

Na infância, Karol sofreu com cascas de banana. Literalmente: alguns colegas jogavam a pele da fruta na garota, uma das únicas negras do colégio. Mas não se deixou escorregar. "Se não fosse o preconceito, eu ia cantar só sobre a infelicidade. A falta de dinheiro. Mas sofri e decidi falar sobre a solução." No tribunal da internet, ela virou uma espécie de promotora, com voz para cantar as minorias. "O artista que mais defende e fala sobre empatia sou eu."

Em agosto, foi uma das grandes atrações de um festival musical em Belo Horizonte, tomando o lugar de MC Biel, funkeiro de 20 anos que se afastou dos palcos depois que vieram à tona frases sexistas, racistas e homofóbicas em suas redes sociais -"A Thaís Araújo é linda, mano, única morena, negra, sei lá, que acho bonita" e "'Bixa' tem direito de ser 'bixa', só não precisa extravasar, né?" são só duas delas.

Karol considera sua escalação de última hora um ato político, mas não concorda com linchamentos virtuais. "A pessoa errou, como vamos ensinar, xingando? Não, isso ele já fez: xingou 'as gay', as mina, os preto. A gente vai é infectar ele com amor. Não precisa ser o fim da carreira do cara. É um momento de reeducação. Isso aí mudou a vida dele."

A voz de Karol é ouvida, mas ainda há espaço a conquistar. Durante a abertura da Olimpíada, tanto Galvão Bueno quanto Glória Maria, que comentavam o espetáculo de abertura dos Jogos ao vivo, se referiram à artista, que nunca tinham visto, como Karol Cônka.

OUÇA O DISCO BATUK FREAK, DE KAROL CONKA

Ouça no spotify

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