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Serafina

Colunista narra jantar com advogado inglês de políticos brasileiros

Caco Neves/Folhapress
ilustracao para a coluna Zooropa, de Henrique Goldman, na Serafina de outubro
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Há alguns anos fui convidado para um jantar de bodas de ouro aqui em Londres. Um dos convidados, um inglês de origem indiana cinquentão com gumex no cabelo e engravatado, sentou ao meu lado na mesa com a mulher botocada e coberta de diamantes. O sujeito tinha um mau hálito inesquecível, Rolex de ouro no pulso e disse que era advogado de causas internacionais.

Percebendo meu sotaque, ele sorriu. Fiquei surpreso quando ele disse: "Aposto que você é brasileiro". Tenho um forte sotaque que, depois de vinte e quatro anos vivendo aqui, começou a piorar ao invés de melhorar. Mas é incomum que alguém identifique minha nacionalidade tão facilmente.

Ele explicou que tinha alguns clientes brasileiros - e que um deles era uma figura pública muito importante. "É um dos políticos mais importantes do país", ele enfatizou, querendo ao mesmo tempo se gabar e atiçar a minha curiosidade. Mas se negou a identificar - sigilo profissional. Fiz de tudo para manter o papo animado e seu copo sempre cheio. No fim da festa, a vaidade e a embriaguez o fizeram entregar o ouro. Ele se despediu dizendo: "Paulo Salim Maluf". Foi embora num Rolls Royce.

Um tempo depois, em 2012, a corte britânica imputou nosso parlamentar por receber propinas ilícitas e esconder mais de 10 milhões de dólares em uma conta secreta nas Ilhas Jersey - um paraíso fiscal no meio do Canal da Mancha.

Lembrei deste encontro pois nas últimas semanas a imprensa europeia não se cansa de reportar os infinitos escândalos de corrupção que convulsionam o Brasil, com centenas de parlamentares e executivos sendo investigados. Advogados, Europa afora, devem estar muito ocupados com o emergente mercado brasileiro.

Um fator comum e fundamental une todos estes escândalos: o dinheiro vai sempre parar em contas bancárias em paraísos fiscais - e muitos deles estão na Europa - como a Suíça, as Ilhas Jersey, a Ilha de Man e Andorra.
Se estes paraísos fiscais criados por governos democraticamente eleitos - que aliás também legislam sobre os bancos - não existissem, como corruptos do mundo inteiro ocultariam tão facilmente o dinheiro? Não são, estes bancos e governos, igualmente corruptos, cúmplices das Lava-Jatos e Petrolões?

Peço desculpas pelas perguntas ingênuas: num mundo incerto, corrupto, violento e inseguro, onde o medo e a ganância são cada vez mais fomentados, será que eu - ou o caro leitor - não aceitaria uma propina para garantir a segurança da família? A educação dos filhos? O melhor seguro-saúde? E, a partir daí, privilégios e consumos que nos fazem sentir o afago de Deus?

Tudo bem querermos livrar nossa vida pública de todos os corruptos, claro. Mas de nada isso vai adiantar se, ao mesmo tempo, por falta de coragem, não reconhecermos e dialogarmos com os Eduardo Cunhas e os Zés Dirceis que vivem tramando dentro de cada um de nós.

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