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Serafina

Viúva de Lévi-Strauss guarda fotos inéditas que o antropólogo fez no Brasil

Fe Pinheiro/Folhapress
Monique Lévi-Strauss, a viúva do famoso antropólogo Claude Lévi-Strauss
Monique Lévi-Strauss, a viúva do famoso antropólogo Claude Lévi-Strauss
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A sala principal do apartamento, no prédio de número dois da rua des Marronniers, é iluminada por uma janela ampla situada na diagonal de uma mesa longa e estreita de madeira bruta e tonalidade escura. "Ali meu marido trabalhava todos os dias", aponta a anfitriã, acomodada no canto do sofá, em uma manhã parisiense. "Você ouve o silêncio?", indaga, poeticamente. "Aqui estamos num bunker."

"Meu marido fez construir paredes reforçadas por tudo, para ter silêncio, algo imprescindível para ele", diz Monique. Seu marido, citação constante em suas frases, era o célebre pensador, antropólogo e etnólogo francês Claude Lévi-Strauss, que morreu em 2009 neste mesmo endereço, aos cem anos.

Monique Lévi-Strauss, 90, evoca seu cotidiano e sua história de amor com o autor do clássico "Tristes Trópicos" (1955) e um dos fundadores da Universidade de São Paulo (USP), com quem teve o filho Matthieu, 59, mas também escreveu a própria história.

No livro "Une Enfance dans la Gueule du Loup" ("Uma Infância na Boca do Lobo", ed. Seuil, sem previsão de lançamento no Brasil), faz o relato autobiográfico de uma experiência incomum de sua juventude, entre os 13 e 19 anos de idade, durante a Segunda Guerra Mundial.

Às vésperas do Réveillon de 1939, seu pai, engenheiro belga, havia obtido um contrato de trabalho na Alemanha e decidiu levar toda a família - ela, seu irmão e sua mãe - para se instalar em Düsseldorf. "Mas mamãe é judia, você não pode levá-la para a boca do lobo", dizia a jovem Monique sem sucesso diante da obstinação paterna.

Após ter combatido na Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, o pai não acreditava que embate semelhante poderia ocorrer no continente. "Ele era um pacifista. Mas, em abril de 1940, quando os alemães invadiram os países do Norte, ele compreendeu tudo", conta ela.

NA FILA DO PÃO

Em maio de 1940, o pai foi detido e enviado para o campo de concentração de Buchenwald. Acabou liberado após cerca de cinco meses. A família passou a viver o dia a dia da guerra, sem eletricidade e água corrente. Monique fazia fila para conseguir pão e algumas batatas com os tíquetes de racionamento de comida.

Apesar das condições precárias de sobrevivência em terra, seu maior temor vinha dos céus, da torrente de bombas despejadas pela Força Aérea Real britânica: "Nós íamos para os porões. As velas se apagavam quando as bombas tombavam, o solo sacodia, você era jogada para o alto e depois caía. A cada vez, ficava aterrorizada e me dizia que não sairia viva dali".

A tensão onipresente, provocada pela origem judia e também americana de sua mãe e pelo bombardeio dos aliados, só teve fim com a derrocada nazista. Em seu exílio forçado, Monique nunca se aventurou a escrever um diário por medo das investigações da Gestapo.

A ideia de finalmente colocar as memórias no papel veio muitos anos depois, em 1995, quando se incumbiu da tarefa de revelar e ampliar os 3.000 negativos de fotografias que Claude Lévi-Strauss, então já seu marido, fizera em suas andanças pelo Brasil.

Ela montou um laboratório em um dos banheiros da casa e, após três meses, concluiu o trabalho. Não sem algum esforço extra para identificar as imagens das tribos amazônicas: "Eu lhe dava 30 fotos por vez e dizia: 'Sem legenda, sem jantar!' No início foi horrível porque ele não lembrava de nada. Mas depois a memória começou a voltar". As milhares de fotos raras estão hoje guardadas em caixas de sapato, no alto de uma prateleira de um closet da casa.

SANTA CEIA

Monique conheceu Claude Lévi-Strauss em setembro de 1949, em um jantar na casa do psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), de quem era amiga, e no qual também estava o pintor Balthus (1908-2001). A ceia resultou em uma colaboração profissional entre o futuro casal: ela passou a fazer traduções de textos de etnólogos alemães para ele.

"Trabalhávamos juntos todas as manhãs no escritório dele. Era um encantamento. Eu fazia perguntas sobre a Amazônia e ele me contava muitas histórias. Não foi amor à primeira vista. O amor veio depois, com a convivência. Além do mais, ele estava casado nessa época, e eu também tinha a minha vida sentimental. Vivemos juntos 60 anos, e sou sua terceira mulher."

Monique esteve apenas uma vez no Brasil, acompanhando o marido na viagem presidencial de François Mitterrand, em 1985. "Foi uma acolhida muito calorosa, sobretudo em São Paulo, onde estavam seus ex-alunos, velhinhos aposentados", ri Monique.

Hoje herdeira intelectual da obra do marido, ela desmente com veemência quando lhe dizem que "se sacrificou" ao longo de sua vida como madame Lévi-Strauss: "Tudo surpreendia Claude, tudo o maravilhava. Até o fim. Não tinha amargura, mas sim muito humor. Ele era muito engraçado. Como rimos juntos! Era apaixonante viver com ele".

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