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Serafina

Ricos da Venezuela mudam para o Panamá para manter estilo de vida

Diego Zerbato
Vista da Cidade do Panamá a partir do oceano Pacífico
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E teve boatos de que eles estavam na pior.

"La felicidad es possible!!!", encoraja nas redes sociais Ada Suárez Reques (idade não revelada), psicóloga "especialista em resolução de conflitos" que faz sucesso com o programa de rádio "Cuentos de Ada" (contos de Ada).

A felicidade é ainda mais possível agora que Ada está longe de sua Venezuela natal, cercada de taças de champanhe com morango no country club local, onde a high society do Panamá se espreme sob toldos brancos para assistir ao Panamá Polo Open.

"A vida é feita de instantes, tente se encher de vida com eles", ela receita para seus 50 mil seguidores no Instagram, junto de uma selfie em que sorri com as madeixas lisas e loiras ao vento, o sorriso congelado, o decote generoso e os óculos escuros refletindo a partida de cavaleiros saracoteando tacos para acertar uma bola de madeira.

Morando no Panamá desde 2017, ela faz parte de um contingente de 70 mil venezuelanos no país, muitos fugindo da crise provocada pela ditadura de Nicolás Maduro.

Por lá, a escassez de alimentos e a queda de poder aquisitivo levaram 64% da população a emagrecer, em média, 11,4 kg no ano passado, segundo a Pesquisa Nacional de Condições de Vida, com 6.168 famílias do país de 30 milhões de habitantes.

Por aqui não faltam "amuse-bouches" (entradinhas) para entreter a tarde coroada com uma chuva da champanhe francesa Pascal Ponson para os vencedores do torneio de polo, que subiram no pódio após a eleição dos melhores "look" e "sombrero" (chapéu) do dia.

Não é a falta de comida, mas de segurança que desde os tempos de Hugo Chávez (1954-2013) vem empurrando a elite venezuelana para uma vida no exterior. Caso de Ada, que conta à Serafina sobre o medo que sentia de sair nas ruas antes de deixar seu país.

Segundo o Observatório Venezuelano da Violência, 2017 foi pródigo em "homicídios, roubos, extorsões e sequestros", uma escalada criminal indissociável da pobreza em que se veem nove em cada dez conterrâneos da psicóloga.

Pensamentos felizes

Mas a "assessora corporativa e pessoal" (outro título que tomou para si) prefere falar de coisas boas. "Vim aqui para expandir meu programa, em que trago mensagens de entusiasmo e motivação."

Pensamentos felizes também são o "whey espiritual" de Santiago Fernández, 50, um ex-operador do mercado financeiro que se rein- ventou como "life coaching" após uma década "encarnando um lobo de Wall Street".
Sem entrar em detalhes, ele conta ter sofrido quatro sequestros relâmpago em sua terra natal, que vive "uma horrenda, horrorosa onda de negatividade". Um dia decidiu: basta. E se foi da Venezuela, por ora sem planos para voltar.

Santiago conversa com a reportagem ao lado de uma escultura em forma de maçã lhe dada de presente pelo autor, Romero Britto, de quem já gostou mais ("virou algo muito comercial").
Está sentado no sofá parte couro marrom, parte pele de vaca, um andar acima da garagem de sua mansão, onde minutos antes estacionou um de seus carros, uma picape, ao lado de um Porsche encapuzado com lona.

Com "outfit" da Adidas (acabou de malhar, justifica), Santiago diz que tem uma teoria sobre a Venezuela. E ela casa com aquela máxima de "O Pequeno Príncipe": "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

A ela, pois: "Criamos tudo o que estamos passando. Nos jornais dos anos 1990, tudo era negativo: os partidos não serviam, o petróleo era uma desgraça etc. Então alimentamos o messias Chávez. E Chávez criou a energia de falar mal. Sempre havia inimigos: capital externo, a Igreja Católica, o empresariado. Agora falamos que todos são corruptos, as instituições, os empresários. Não há esperança alguma".

Santiago sugere derrotar o derrotismo. "Como a África do Sul saiu desse ciclo de negatividade? Com um líder que falou positivo. Que nunca falou de vingança. Os negros queriam matar a todos os brancos [após o Apartheid]." Mas com Nelson Mandela foi diferente, ele ressalva, antes de desatar a falar sobre seu projeto #YoInvierto.

O objetivo deste pai de duas crianças nascidas de barriga de aluguel na Califórnia: "Quero de coração apoiar pessoas que, como eu, acumularam sucessos, medalhas, contas bancárias, filhos e que se sentem vazias e desorientadas em seu propósito de serem felizes".

"Más elegant"

Jéssica, 15, está muito feliz com o peeling que acabou de fazer no spa italiano da Trump Tower do Panamá, onde reside a namorada do pai. "Morar na Venezuela era um saco. Nem lembro direito do Chávez, mas meus pais o odiavam. Eles dizem que piorou com Maduro. Até para sair com motorista era um drama, minha mãe morria de medo", diz a autointitulada "panamenhuelana", com bolsa e sapato vermelhos Carmen Steffens, o cabelo castanho metido numa redinha "para fixar o coque".

Na torre com nome de Donald Trump há ainda um cassino com caça-níquel batizado Life of Luxury, uma loja dos iates vip Azimut e imobiliárias que negociam apartamentos no prédio.

Pablo Saborido
Para manter o estilo de vida, parte da elite vernacular foi parar no Panamá, país vizinho que é um paraíso fiscal e onde se fala a mesma língua.O empresário Gabriel Montiel Toro.
O empresário Gabriel Montiel Toro.

Na House Hunters, acham-se unidades à venda por US$ 530 mil (R$ 1,7 milhão) ou alugáveis por US$ 2.700 (R$ 9.000). O corretor Pedro Sanchez calcula que venezuelanos ocupem até 10% dos 600 apartamentos da torre.

Presidente do VBC (Venezuelan Business Club) panamenho, Reynaldo Diaz, 40, recebe a reportagem no outro lado da cidade, em Costa del Este, bairro que emula uma Barra da Tijuca agigantada com suas dezenas de torres de vidro espelhado -condomínios com nomes como Soho e Zeus.

Reynaldo segue a cartilha de Ada e Santiago: chega de pessimismo. "Não fazemos proselitismo político no VBC. Muitos cobram: 'Ah, falem da crise humanitária. Não! Tem muita gente fazendo isso. Falo bem da Venezuela. Quando digo que sou de lá, ouço 'pobrecito!'. E o que afeta o país me afeta."

Em março, quando visitou o país natal, escreveu na internet "Sigan apostando en #Venezuela" ao lado de uma foto do prato que pediu no restaurante Mercedes (bolinhas de queijo de cabra e costelas de porco), localizado no "más elegant" shopping de Caracas.

No país onde falta até papel higiênico, esse restaurante ainda atualiza diariamente seu "Instagram ostentação", fornido de pratos como musse de chocoazu (parece chocolate, mas é um derivado gourmet do cupuaçu) e camarões crocantes com molho de gengibre.

O perfil de Reynaldo serve de termômetro para uma vida que não divorcia negócios e prazer.

Para convivas do VBC, já divulgou a "golf night", com drinques, golfe, música eletrônica e uma visita de membros à filial em Madrid do clube -onde posou segurando uma garrafa gigante do vinho Vizcarra, o suéter preto amarrado no pescoço sobre uma camisa da Ralph Lauren (com o logo do jogador de polo montado no cavalo). No dia da entrevista, a marca era Carolina Herrera.

O empresário se define como "fiel creyente del capitalismo social". Capitalismo e socialismo não precisam ser água e azeite, afirma. "Nenhum dos dois extremos é positivo, nada é branco ou preto. Sou capitalista, gosto de desfrutar do dinheiro. Também gosto de ajudar as pessoas, mas não tenho que dar todo o meu dinheiro."

Tanto a pátria onde nasceu quanto a que escolheu morar foram primeiro colônias espanholas e depois costelas da Grã-Colômbia, país fundado por Simón Bolivar e colapsado no mesmo século 19.

Mas para seu filhos Bianca, 5, e José Rafael, 9, ele escolheu uma escola americana, a Metropolitan -onde o ensino médio pode alcançar US$ 2.138 (R$ 7.000) mensais. Outros herdeiros dessa elite vão à Boston School International, que tem 64 alunos venezuelanos, aulas de mandarim e a promessa de formar "líderes mundiais".

Latinidade

Um ônibus escolar amarelo leva os convidados do Panamá Polo Open ao local do campeonato. Há um dresscode a seguir. Mulheres: muito vestidinho branco com renda e babados -é a White Summer Party- para ornar com chapéus que lembram bolos de casamento. Homens: camisas polo ou social (o charuto é opcional).

Pablo Saborido
Convidadas do Panamá Polo Open, torneio sediado num country clube nos arredores da Cidade do Panamá
Convidadas do Panamá Polo Open, torneio sediado num country clube nos arredores da Cidade do Panamá

A motorista de Uber que leva a reportagem ao country club fica ressabiada. Para chegar até o oásis equestre, é preciso passar por um subúrbio panamenho que, segundo ela, é "caliente", gíria para região perigosa.
Se a Cidade do Panamá remete a Miami, por ali as ruas exalam latinidade, cheias de casas coloridas com anúncios pintados com tinta na fachada, a maioria dos comércios protegida por grades. É onde se concentra a classe trabalhadora, recentemente engrossada por venezuelanos mais humildes.

Muitos endinheirados desestabilizados pela era Chávez-Maduro buscaram guarida na Cidade do Panamá, um paraíso fiscal a duas horas de avião de Caracas, que compartilha o mesmo idioma oficial.
Mas, recentemente, migraram em peso venezuelanos que "não passam fome por dieta, mas por não ter nada nos mercados, nem leite para seus filhos", diz José Mendeza, 34, que dava aula de natação em Caracas e hoje é caixa num mercadinho no país vizinho.

Por até US$ 198 (R$ 650) por pessoa, a brasileira Cristina Esprenger organiza viagens de balsa até ilhas panamenhas no Pacífico. "O 'target' é mesmo a classe alta", conta ela, que tem "muitos venezuelanos" na clientela. Mas a erosão social sob a ditadura de Maduro achatou o padrão de vida da maioria, diz. "Um bartender que era neurocirurgião serviu caipirinha para meu marido outro dia."

A diáspora fez com que, em outubro de 2017, o Panamá passasse a exigir visto para venezuelanos. Naquele mês, entraram 11 mil deles no Panamá, um terço do que chegou ao país em setembro. Segundo o presidente panamenho, Juan Carlos Varela, a medida foi tomada para garantir segurança e emprego dos seus conterrâneos.

Hit nas rádios do território que liga as Américas do Norte e do Sul, "La Chama" escancara a maré xenófoba. Fala de uma venezuelana que "em seu país era alguém famosa e agora se dedica a fazer outra coisa, ui, que coisa tão deliciosa" (nas entrelinhas: prostituição).

No country club, o empresário Miguel de Yavorsky, 48, quase grita para se sobrepor à música eletrônica. Já está há nove anos no Panamá, onde veio morar "atrás de melhor qualidade de vida para meus filhos".
"Lamentavelmente, as próximas gerações [de migrantes] não eram do mesmo nível. Começou uma xenofobia justamente por esta gente que tira postos de trabalho, não está legalizada."
Já empreendedores como Fady El Dick, 40, se vangloriam de gerar empregos para panamenhos.

Dono de uma rede de churrascarias, a Brasero, El Dick mostra, um tanto saudoso, vídeos do mar cristalino que banha seu país.

"A Venezuela costumava ser a Dubai das Américas. Agora, ela é o enfermo com câncer", diz enquanto petisca mandiocas do prato do fotógrafo. Ao fundo ouvem-se músicas como o tema de "Ghost" e a brasileira "Eu Não Sou Cachorro, Não".

Ele conta que os pais se mudaram para a Venezuela fugidos da guerra civil no Líbano. Sua mãe, Hajar, 81, interrompe a conversa para contar o que passou ao visitar recentemente o país que a abrigou.

Nada havia nas prateleiras venezuelanas, ela reclama. "Era iogurte o dia todo." O filho explica: "Mamãe tem uma digestão delicada". A pátria que já chamaram de lar ficou difícil de engolir.

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