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Serafina

Destaque da Flip 2012, americano Jonathan Franzen vem ao Brasil

Frank Bauer/Contour by Getty Images
Jonathan Franzen
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Este texto foi originalmente publicado na Serafina de julho de 2012

Destaque da próxima Flip, romancista americano vem ao Brasil com mais que literatura na cabeça.

Jonathan Franzen, o grande romancista americano, está chateado com Madonna, a rainha do pop mundial. Ela não sabe disso, pois nunca se encontraram pessoalmente. Só o que Franzen pode fazer é ficar de longe, atrás de seus binóculos, espreitando qualquer movimento no jardim da cantora. E ele faz isso todo dia.

Essa estranha história de perseguição começou de forma inocente, há 11 anos, quando o escritor abalou a crítica norte-americana ao publicar "As Correções" (2001).

O livro resgatava um tipo de romance há muito esquecido na boa literatura do país e que pode ser descrito como "twisted relationships" (algo como "relacionamentos confusos", em tradução livre). São romances familiares em que os irmãos, pais, maridos, esposas e filhos estabelecem relações nas quais amor e ódio se confundem, o respeito e o escárnio disputam espaço, violência e desejo parecem os mesmos.

O que ele fez, enfim, foi seguir uma linhagem que comporta de Mark Twain (1835-1910) a William Faulkner (1897-1962), de Henry James (1843-1916) a John Steinbeck (1902-1968). E, então, em 2010, nove anos depois de "As Correções", lançou "Liberdade", com o mesmo tipo de histórias, consolidando sua ambição ao lado dos grandes.

Em seguida, em 23 de agosto de 2010, a revista mais influente do mundo, a norte-americana "Time", rendeu-se. Após um recesso de dez anos (520 edições!) sem escritores na capa, a publicação estampou o caipira de Illinois, crescido em Saint Louis, dentro da clássica moldura vermelha. Não só isso, o título de capa era "Great American Novelist" (grande romancista americano).

É o tipo de frase que, publicada nacionalmente, muda a vida de qualquer um. "É um meio invejoso esse. Há muito ressentimento...", diz Franzen, 52, à Serafina, sem conseguir disfarçar que, na verdade, sente-se bastante à vontade com esse seu novo aposto.

Sentado na mesa de jantar de seu apartamento, em Nova York, em que vive com a namorada também romancista, Kathryn Chetkovich, e onde todos devem entrar de meias, ele cita seus modelos para chegar no cume: O grande favorito é o escritor austro-húngaro Franz Kafka (1883-1924), autor de "A Metamorfose" (1915).

São só os clássicos: "Goethe, Stendhal, Proust, Balzac, Thomas Mann".

"E Nietzsche, Freud, Karl Kraus. Entre os autores de língua inglesa, não posso esquecer de Conrad, Faulkner, Scott Fitzgerald e Nabokov", completa.

Estamos no ar rarefeito das mentes musculosas, para dizer o mínimo.

TIJOLOS

"Liberdade", um livrão de 600 páginas assim como "As Correções", acompanha por décadas um triângulo amoroso entre um nerd, sua mulher e um músico, que se conheceram na universidade, no fim dos anos 1970. A história é quase toda escrita por ela, já mãe, em forma de autobiografia. Todos são devidamente loucos e normais por natureza, com seus problemas, encanações, arrependimentos, sonhos e alguma esperança.

Já "As Correções" versa sobre um casal do interior e seus três filhos da cidade no momento em que o pai começa a sentir os primeiros efeitos do mal de Parkinson, uma experiência dolorosa vivida pelo próprio Franzen com seu pai.

"Meu trabalho é encontrar uma forma de transformar minha vida em histórias. Mas muito pouco do que acontece comigo está nos livros, talvez umas 20 ou 40 páginas em cada. Mesmo assim, são minhas histórias, em pontos diferentes da minha vida", afirma o autor. "Meus pais estão em 'As Correções'. Eles morreram em 1995 e 1999, o que me liberou para escrever. Meu pai teve Parkinson e eu não tive que pesquisar, bastou viver com ele."

É nesse ponto que o romancista estabelece a ligação entre sua vida e sua literatura, ligada à clássica biblioteca norte-americana e mundial. "Ver a mente de meu pai se destroçando me deixou muito ciente de mim mesmo. Tirei de Kafka o desejo de rasgar a superfície da vida e chegar em sua essência. E isso não se faz simplesmente com formatos, mas com personagens e histórias."

DE OLHOS BEM ABERTOS

Jonathan Franzen tem dois vícios claros. O primeiro é o hobby que descobriu há alguns anos: a observação de aves. "Estava caminhando no Central Park com minha irmã e o marido dela, e eu, que andava por ali havia dez anos, já tinha visto uns três tipos de pássaro. E, naquele dia, meu cunhado ornitólogo me mostrou umas 50 espécies diferentes."

"Eu achava que conhecia o mundo. E eis que surge uma nova dimensão da qual eu não eu tinha ideia. Foi uma revelação, foi como um adolescente que, de repente, descobre o sexo." Logo se tornou uma paixão. Em sua passagem pela Flip, em julho, o norte-americano pretende esticar por "uma semana ou nove dias no Pantanal e no sul da Bahia, observando pássaros".

O outro vício são os seriados de TV. Ele anuncia, durante a entrevista, que está escrevendo uma minissérie com 40 horas, o que equivale a mais ou menos o tempo de 20 longas-metragens. Trata-se de uma adaptação de "As Correções" para a TV, na verdade, uma grande expansão do livro, já que ele calcula que o original seria suficiente apenas para metade desse tempo. "Estou criando cenas para Gary Lambert (um dos filhos da cidade) aos 20 anos, e, no livro, ele já está na meia-idade", diz.

O seriado, da HBO, está programado para 2014, mas o piloto já está na sala de edição. O diretor é Noah Baumbach, 42, autor de um clássico moderno de "twisted relationships", o longa "A Lula e a Baleia", de 2005. E o grande romancista americano já ensaia uma série de explicações sobre a adequação de sua obra para outro suporte.

"Os seriados viraram primos dos romances. Grandes histórias sociais, como eram feitas no século 19, só existem agora na TV", afirma. "Em Balzac, personagens de um livro aparecem em outro, você acompanha uma história sendo contada por vários anos ou décadas, há descrições de 20 ou 30 páginas sobre uma mina, sobre um açougue", lembra. "A fotografia matou as descrições detalhadas, depois a TV ajudou a matar o romance social. Mas, de repente, ei-los de novo em formato de seriados."

O pensamento continua: "Eu poderia aprender muita coisa sobre metanfetamina na Wikipedia ou em outros sites. Mas é muito mais prazeroso assistir a 'Breaking Bad'", diz ele, referindo-se a um seriado em que um professor de química começa a produzir a droga para pagar um tratamento de câncer (exibido no Brasil pela AXN). "Já vai começar a quinta temporada", empolga-se.

Além de "Breaking Bad", é adepto do seriado "Law and Order", ao qual assistia pela TV a cabo. "Agora, comecei tudo de novo, depois que um amigo me deu as 20 temporadas em DVD."

Mas ele é seletivo. "Larguei 'Mad Men' no sexto episódio porque não estava aprendendo nada. E o único episódio a que assisti de 'CSI' foi o pior da minha vida!"

INIMIGO PÚBLICO

Apesar de sua história de amor com a TV, foi nesse meio que viveu o maior quiproquó de sua história. E sua nêmesis era ninguém menos que Oprah

Winfrey. Todo-poderosa rainha da televisão americana, ela criou, em 1996, o Clube do Livro da Oprah, em que recomendava um livro por mês, entre lançamentos e clássicos.

Dado o poder de formar opiniões da apresentadora, as editoras americanas logo calcularam que, a cada recomendação da mulher, 400 mil livros eram imediatamente vendidos. E a obra escolhida por ela, em setembro de 2001, foi "As Correções". "O episódio que perturbou milhões", nas palavras do escritor, foi que, após concordar em ser indicado, voltou atrás e recusou o selo.

Só que isso aconteceu no mês do 11/9, da queda das Torres Gêmeas, e o país estava assustado, fragilizado. E muita gente se sentiu desrespeitada quando um então desconhecido desprezou um símbolo patriótico tão querido como Oprah.

"Virei o inimigo público número dois dos EUA, atrás de Bin Laden", conta ele. "Houve muita confusão, me xingaram por escrito. Fui xingado na rua. Sou xingado até hoje. Não acho justo", desafabou. "O que queria fazer era atrair os leitores homens para os meus livros. Uma pesquisa indicava que, quando o livro trazia o selo do Clube do Livro da Oprah na capa, era rechaçado pelos maridos, só as mulheres o liam", explica.

Seja como for, nove anos depois da primeira indicação, lá estava "Liberdade" com o selo de Oprah novamente. Com a ajuda dela, cada um dos livros vendeu cerca de 1 milhão nos Estados Unidos e 3 milhões no resto do mundo.

MADONNA NO JARDIM

Com o dinheiro que ganhou com "As Correções", comprou o apartamento em que mora até hoje, no chiquérrimo

Upper East Side, na rua 82, entre o Central Park e o rio

Hudson. E foi olhando por uma janela que o escritor descobriu, lá embaixo, um jardim vizinho, um tanto mal cuidado e cheio de folhas secas.

E começou a observar, de binóculos, vários passarinhos. Logo, havia registrado a presença de cerca de 40 espécies. "Isso numa zona urbana como essa!", ele quase grita, mal se contendo de tanto prazer ornitológico.

Mas aí, Madonna comprou o prédio do lado. "E mandou construir um novo andar, limpou o jardim, podaram as árvores." E os pássaros voaram para longe. E só o que Jonathan Franzen pode fazer é ficar atrás de seus binóculos, espreitando qualquer movimento no jardim da cantora. E ele faz isso todo dia.

AS REFERÊNCIAS DE FRANZEN

Quem é quem na biblioteca do escritor

Goethe (1749-1832) autor de "Os Sofrimentos do Jovem Werther"(1774)

Stendhal (1783-1842), criador de "O Vermelho e o Negro (1830)

Marcel Proust (1871-1922), de "Em Busca do Tempo Perdido"

Honoré de Balzac (1799-1850)

"A Mulher de Trinta Anos" (1831)

Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão

Thomas Mann (1875-1955), autor de "Buddenbrooks" (1901)

Karl Kraus (1874-1936), autor de "Aforismos"

Sigmund Freud (1856-1939) fundador da psicanálise

Joseph Conrad (1857-1924), de "Coração das Trevas"

F. Scott Fitzgerald (1896-1940), autor de "O Grande Gatsby"

William Faulkner (1897-1962) escreveu "O Som e a Fúria"

Vladimir Nabokov (1899-1977)", de "Lolita" (1955)

Entre clássicos e best-sellers por Patrícia Campos Mello

Para os franzenmaníacos, "Liberdade" e "Correções", os grandes romances de Jonathan Franzen, são "Guerra e Paz"no Meio-Oeste dos Estados Unidos. Nada mais, nada menos.

Os literatos quase enfartam com a comparação.

Mas Franzen conseguiu uma proeza. Faz literatura de qualidade para as massas e convive na lista dos mais vendidos com porcarias de sucesso como "Cinquenta Tons de Cinza", de E L James.

Os romances com sua grife são narrativas longas e ambiciosas, que traçam um panorama da vida na imensidão das casas sem cercas dos subúrbios da classe média americana, habitadas por neuróticos supermedicados.

O leitor sempre vai encontrar determinados ingredientes nas obras do autor, tanto nos romances como nos seus livros de não ficção, como "A Zona do Desconforto" e "Como Ficar Sozinho" (publicados pela Companhia das Letras).

Sempre haverá famílias ditas disfuncionais (não são todas?), envolvidas por grandes temas atuais -ambientalismo, crise financeira, estouro da bolha ponto.com, epidemia de antidepressivos e mal de Parkinson.

Haverá também aspectos prosaicos da vida americana que serão descritos nos ínfimos detalhes -velhinhos que colecionam cupons de desconto, vizinhos que trazem bandejas de cookies para socializar, adultos republicanos que passam a vida jogando Playstation.

Você pode até não conseguir resumir exatamente o enredo dos livros, mas vai dormir e acordar pensando nos personagens. É gente como Patty Berglund, de "Liberdade", uma dona-de-casa tão boazinha que não consegue criticar ninguém, ela diz no máximo que fulano é "estranho". Essa mesma Patty é capaz de cortar os pneus do vizinho, republicano, barulhento e cafona, e trai seu marido com o melhor amigo dele.

Franzen já declarou ser contra a literatura cheia de experimentalismos e pirotecnias. E é justamente esse estilo enganosamente simples -fácil de ler, mas muito difícil de reproduzir- que explica parte de seu enorme sucesso.

E é viciante: prepare-se para passar a noite em claro, sugado pelos personagens.

AS AVES NA MIRA DE FRANZEN

CONFIRA OS EMPLUMADOS QUE O AUTOR QUER VER NO BRASIL E O QUE ELE DIZ SOBRE CADA UM DELES

tiriba-de-orelha-branca

(Pyrrhura leucotis)

"Nomes de aves são uma coisa estranha -os bichos não se enxergam como sendo 'de rosto vermelho-amarronzado'. Mas seus rostos são de fato vermelhos-amarronzados."

caburé-miudinho

(Glaucidium minutissimum)

Também chamada de caburezinho, caburé-do-sol ou caburé-ferrugem, é uma minicorujinha. "Estou ansioso para ver o menor dos pássaros miúdos", diz o escritor.

beija-flor-tesoura

(Eupetomena macroura)

"Os beija-flores aprimoraram a arte da exibição sexual. Apesar de serem tão minúsculos –ou talvez por isso mesmo!-, são intensamente competitivos e agressivos uns em relação aos outros. Essa espécie consome açúcar o dia inteiro e exibe sua cauda magnífica."

jandaia-de-testa-vermelha

(Aratinga auricapillus)

"Os periquitos e seus parentes são os mais humanos entre as aves -têm vida longa, são sociáveis e muito inteligentes. Uma das maiores ameaças às populações silvestres é o fato de eles serem atraentes para as pessoas, que os querem como bichos de estimação."

entufado-baiano

(Merulaxis stresemanni)

Também chamado de bigodudo-baiano, mede 19 cm. "Um dos pássaros mais raros do mundo, o entufado-baiano hoje está restrito a algumas ilhas de floresta em meio a terras desmatadas para a agricultura."

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